De quantas partes é formado um solitário?
Difícil responder.
De quem é formado um solitário?
Essa é mais fácil: sua mãe; sua família;
você.
Ele mesmo?
Que delícia de pergunta.
E ainda imensamente mais deliciosa
resposta.
Aonde vai um solitário?
Pergunta errada.
Aonde não vai um solitário?
Não que lhe (a ele) interesse.
Quero crer que você já sente pulsando.
Há uma bomba incolor e inodora debaixo do
mundo. À qual ele está agarrado como se abraçasse um réptil intratável prestes
a lhe engolir a cabeça.
Que gostoso brincar.
Hoje cedinho ainda na cama delirava como todos os homens deliram cedinho na cama.
Uma conversa com o sabiá a pontificar colericamente
pousado no cabo de alta tensão no poste aqui da esquina.
Estava o sabiá tão colérico, que era o
sabiá mais desafinado que já escutei neste mundo.
Sou, ao contrário do meu sabiá – seja meu
pelo menos esta manhã, caro –, o mais afinado dos homens quando estou colérico.
Vim a este mundo – se é que vim, se é que
é este este mundo – para demonstrar minha cólera.
Que, de tão tamanha, já estava aqui, em
algum lugar, quando nasci.
E a mim coube adotá-la qual filha
mal-amada e necessária.
Anjo sem espelho.
Não sabes quase nada do mundo, dos
homens, dos anjos nem de nada.
Anjo solitário.
Faces de pueril louça em minhas mãos. Reflexo
imaculado de defeito e pecado a jorrar incandescente em meu território áspero.
É tua tua imagem?
Não nasceste, brotaste.
Re-descobri a história da minha história.
Que perdi pela história que não era
minha.
Não consultei, pela infinitésima, meu relógio
sem ponteiros, nem olhei de soslaio na esperança de que uma equipe de cinema
estivesse me filmando secretamente.
Há longo tempo desisti de procurar
minha resposta num acidente sujo de ânsias lambuzadas.
Lábios de sabiá
Singram caninos telégrafos na madrugada
Te compreendo quando não esperas
Te compreendo quando não queres
Te compreendo quando não te escuto
Em tua carrasca melodia
Abiá, não, não esqueci nosso pacto
Nossos camaradas cães ladram ao redor
Esquecidos dos que os escutam
Desafinado abiá, vai que meu delírio te
toca
Nosso próximo pio requer a bravura que não
tenho
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