Como ter pinta de grande intelectual

Cá pra nós: você tem um blog literário e certamente quer abafar, não quer? Não seria o máximo jogar uma de respeitabilidade e erudição pra cima dos pobres coitados por aí que só falam feijão com arroz?
Claro que seria. Pois aí vão algumas dicas pra você dar uma de gostosa(o):
1 — Em pelo menos uma postagem por dia, cite uma longa lista de grandes nomes da literatura ocidental. Assim: “Como ensinaram Balzac, Turguenief, Dickens, Zola, Flaubert, Leconte de Lisle, Sully-Predhomme, Swinburne, George Eliot, Thackeray, Arnaut Daniel, Airas de Santiago, John Donne, Marino, Corbière, Hopkins, Kilkerry e outros...” Mas atenção: pelo menos metade de sua lista deve ser de figurões de quem a malta nunca ouviu falar, pra que o papo fique obscuro e portanto fascinante.
2 — Não deixe de incluir medalhões que sejam “objetos de desejo” da plebe: Freud, Shakespeare, Goethe, os gregos, por aí. O ideal é ter também umas palavrinhas em grego ou latim. P. ex., “Para Horácio a poesia devia combinar ‘prodesse’ (aprendizado) e ‘delectare’ (prazer)”.
3 — Não vá mumunhando como se pedisse treis pãozinho ao Severino da padaria. Ninguém dá bola pro coloquial. Emposte a voz, erga as sobrancelhas, abroche um biquinho. Não tenha receio de soar pedante. Soe pernóstico mas não decididamente antipático. E não receie parecer ligeiramente esnobe, como se a modéstia o impedisse de exibir seu imenso conhecimento em toda exuberância e vigor. Vez ou outra forje um tom pedagógico (mas não didático). Ensine mas não perore. Se puder papaguear feito guru, melhor. (Há uma finíssima linha entre ambos que só os hiperssofisticados enxergam. E quem não enxerga, sente-se inferior ao ponto das lágrimas. Quem disse que um chororô ocasional não faz bem pro fígado?) Importante: mencione en passant sua vivência prática com grandes e profundas leituras, que, obviamente, você não tem. Aqui e ali ao longo duma postagem jogue algum jargão, desses usados pela crítica especializada. Mas não entorne o caldo — uma teorização críptica de máximo de 5 ou 6 palavras é suficiente.
4 — Reclame. Numa boa, mas reclame. Principalmente do “baixo nível”. Por exemplo, do baixo nível dos professores, do baixo nível dos alunos, do baixo nível das novelas e, obviamente, do baixo nível geral dos leitores de blog. Impreque também contra a falta dum bom debate erudito, tanto no seu blog quanto no Brasil quanto no planeta como um todo. Denuncie o medo que o brasileiro tem dum bate-boca. Só tome cuidado pra não reclamar que ninguém reconhece seu valor; ninguém curte patéticos.
5 — Jamais comente ou se refira à literatura leve, i.e., as obras produzidas pela indústria cultural destinadas ao entretenimento despretensioso. Um inteleca que se preze não perde seus preciosos neurônios com livros vendidos no Extra. Enfatize repetidamente a necessidade da mensagem. Se puder citar coisas como “cunho”, “caráter”, “visão de mundo”, “reflexão”, “senso crítico”, manda bala. Explique que literatura não é revistinha de piadas de português. Só os grandes gênios da raça são capazes de passar uma mensagem avã la létre. Se não a achamos é porque não olhamos (ou lemos) direito. Um romance deve ter uma boa história pra contar, uma razão que “elucide”, sacadas que “desvendem a alma humana”. Se der uma grande lição, manero. Não importa se profunda ou simples, sutil ou patente. A literatura digna do nome deve “induzir” o leitor a repensar-se “enquanto” ser, levantar desafios, incentivar a criatividade. Só não vá mencionar que tudo que Shakespeare pretendia quando escreveu suas peças era distrair o rei e sua corte e faturar uma boa grana.
6 (e mais importante) — O segredo d'uma postagem decente é escrever de modo que ninguém a queira ler mas não se dê conta disso. Neguinho deve bater o olho no texto e partir imediatamente pra outro, achando-se incapaz de compreendê-lo em sua plenitude hermenêutica. De lambuja, você leva uma grande vantagem: assim pode mandar a maior asneira do mundo que ninguém sequer desconfiará.
That's all folks! Deem suas contribuições. Se tivermos bastante material, podemos até lançar um livro com esse título aí acima.

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