Não pensa que te atas à vida por grossas
correntes de aço que não se desintegrarão, seja lenta, seja vagarosamente,
antes da hora marcada.
Não pensa.
Fingimos — e como sabemos fingir bem —
que, basta querer, podemos convencer o tempo a ser nosso aliado. Podemos
domesticá-lo usando relógios e calendários e datas. E podemos enjaulá-lo em
horas marcadas numa agenda carregada pra cima e pra baixo dentro duma bolsa ou
debaixo dum braço, para — e aqui reside nossa canalhice — para libertá-lo por
um tempo que é nosso, não DELE, contando que, ainda assim, ele se desincumbirá
da NOSSA missão.
Da nossa frívola, injusta, errática,
desprezível missão.
Malditas horas marcadas que não funcionam
sequer em consultórios médicos e dentários e nas estações do metrô mas que
psicanalistas alheios ao nosso tempo pessoal sabem cumprir tão ferrenhamente
para então didaticamente nos ensinar que, se queremos ser adultos e
responsáveis, devemos antes de tudo aprender a respeitar as pulsações
impessoais do tempo.
Maldita hora marcada em que cheguei à
esquina para esperar minha namorada e ela não apareceu e às oito e meia daquele
onze de novembro de mil, novecentos e sessenta e nove e a canção que me
martelava o cérebro atordoado da espera ficaram e ficarão marcadas até o fim
dos tempos no cantinho imenso que, dentro de mim, nasceu, talvez junto comigo,
para armazenar as frustrações que a partir de então passaram a ser pequenas,
desprezíveis e mortais.
Minha canção eterna cadencia o ritmo do
meu tempo.
Durante, não tenho parentes, amigos ou
conhecidos e não sou membro de clubes, facções ou ordens e não pertenço a
nenhuma sociedade e DM é das poucas pessoas de quem quero me aproximar pois sei
que DM não arregalará os olhos de espanto ao ler esta homenagem ao seu
trigésimo aniversário, ao contrário de tantos outros espantadiços e
protocolares que me assombram qual fantasmas cujos nomes me esforço por
esquecer.
Não pensa que me ato a ti por grossas
correntes de aço imunes a mim indiferentes a ti.
O que me ata a ti é um fio, o mais orgânico
deles, que ora afina e esgarça, ora urde e entrança e entrança sob as pulsações
mágicas do tempo de nós dois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário