Esta noite sou um homem cansado, covarde e
nem um pouco sábio.
Não, apaga. Esta noite não sou nada.
Esta noite, sendo nada, posso ser
qualquer coisa. Quero ser qualquer coisa.
Esta noite sou este teclado que meus
dedos tamborilam mecânicos e que têm mais letras e números do que minha cabeça.
Sou esta tela que meus olhos olham
mortos.
Este copo de cerveja. Este prato onde há
um minuto havia uma esfirra de carne e outra de queijo. Esta lata de baygon,
vazia como meu cérebro e que, tendo liquidado até esta noite um batalhão de
pernilongos, se mostrou mais útil que meu cérebro.
Esta parede.
Nunca mais esqueci uma noite em que
adolescente, por dentro febril de gana de ser poeta ou ao menos escritor e tão
vazio quanto estou esta noite, me remoendo por ser incapaz de pensar em que
escrever que fizesse um mínimo de sentido, e convencido de que se não fosse
poeta ou ao menos escritor nunca poderia ser outra coisa, exausto de fuçar e
rebuscar os pensamentos infecundos, olhei a parede.
Olhei a parede e meus olhos mortos se
grudaram à parede e à tinta em cor pastel da parede e aos minúsculos calombos de
areia que ficaram por sob a tinta e meus olhos mortos e meu cérebro seco qual um
pedregulho lunar caíram em espera.
Duma certa maneira, espero até hoje. E esperarei
em vão até o fim.
Esta parede bem que podia me devolver as
vozes que um dia se pronunciaram neste quarto e as músicas que por anos escutei
aqui na adolescência.
Acho que aguardo o eco em todos os
lugares em que vou. Que são absurdamente poucos.
Acho que é por isso que quando caminho
pelas ruas indo aos poucos lugares em que vou meus olhos estão sempre baixos. Aguardando.
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