Peguei uma
equação do terceiro grau e tomei três pontos de LSD
E me
arrastei infindo pelo quintal e bradei o nome da minha antiga
professora Lourdinha
E pisei
fora do universo, só as pontinhas dos artelhos no meu próprio escopo
E bailei e
bailei e bailei qual primeiro dançarino do Bolshoi
E diante
dos meus olhos desfilaram meus heróis
E repousei
sobre a lápide do meu túmulo por cinco dias e cinco noites
E os
palhaços no picadeiro da minha vida não eram insanos
E os
gigantes que suportavam o meu mundo não eram gigantes
E a profa.
Lourdinha fez um striptease e estava jovem e sexy e não me falou de problemas
E a classe
rugia "MAIS UM!" "MAIS UMA" e as paredes não faziam eco
E viajei
duma ponta à outra à outra à outra da esfera da bandeira nacional
E meus
inimigos não mais resistiam aos meus comandos
E a soma
dos policiais no meu encalço nunca deu zero
E vomitei
a geleia mágica dos meus amores pelas ruas da cidade
E pela
primeira vez não perdi a esperança nos arredores dos bueiros
E me
arrastei mais uma vez pelo corredor, pela cozinha, pela sala
E pelos
estados do Brasil
E nasci
outro em cada região sem nome nem família
E
embarquei em meu navio-fantasma, ordenando ao tarefeiro
"A
única saída é cairmos mortos de tristeza...
...fecharmos
a matraca, enfim"
E os
israelenses, trucidando mais cinco mil palestinos,
não
calcularam que bx ao cubo mais ax ao quadrado nunca incluiu mulheres e crianças
E meu
colega predileto pela primeira vez pareceu destemido, bonito e sedutor
E logrei
anotar numa embalagem de paçoca minha última canção
Não fossem
os lugares comuns, como é
que diria
o que penso que sinto?
Talvez
inventasse sintaxes
novas,
balbuciando sílabas
sem língua
e cantarolando de dentro
dum poço
Como é
difícil abrir a porta e
sair à luz
ou vicejar à
sombra
Dancei meu
ritual, nos lábios um baseado com gosto de café
E
reencontrei a esperança na minha letra tíbia de menino adolescente
Ah,
fessora de pernas bojudas de cujo nome não me lembro
Quão bela
é tua arquitetura
Na
Paulista os periquitos exigem a queda da Dilma
Menina que
roga o direito de ser ouvida
E flores
eram usadas no lugar do dinheiro
E o Black
Sabbath entoava Paranoid com as bocas cheias de biscoitos de Marília
E alguém
no meio da classe debochou "Cria vergonha nessa cara ossuda!"
E me
arrastei pelo pátrio pelo portão pelas calçadas e
Em casa
mama prepara sua proverbial receita de pavê com cogumelo
E me
despacha de volta para a lavanderia e
Aproveito
para jogar uma pelada sem bola com minha sombra
O Tribunal
está armado e são todos ultraconservadores
E se
prepara a grande festa cujo ápice será minha explosão
"Mas
ele quer ser artista?" espanta-se uma tia, abocanhando o palitinho de salsicha
empanada e lavando o esôfago c'um copo de Grapette
Terceiro
olhar para as melhores garotas do pedaço
Sílvia, ah
Sílvia, me deixa enfiar a cabeça por sob essa tua saia de tergal listrada de
branco e negro e dar uma lambida em tua bucetinha túrgida, inflamada de
virgindade
Antes
vamos dar uma passada no bar, meu bem, porém
E a tempestade
de rum Bacardy desabada dentro da sala, afogando os enroladinhos em rios de
tépido guaraná
E é
domingo e preciso fugir: os canhões estão assestados para a minha testa
E saímos a
passeio pelos campos de guerra
E meu
colega predileto me pergunta, você se sente...?
Não sabia
que você era homo, respondo, lançando um olhar de soslaio aos juízes que
acabaram de condenar à forca os nazistas em Nurembergue
Pena que
ainda não inventaram o Uber, Sílvia cochicha com a doçura de todas as doçuras
bem pertinho do meu ouvido direito à medida que entramos no viveiro de
laranjeiras que papai prometeu construir aquela madrugada em que nasci
E dona
Lourdinha arranca a página do caderno onde meu amigo Gervak desenhava dona
Terezinha, profe de geografia, cavalgando um alazão nua à frente das hostes
inimigas
ATACAR!
O senhor
precisa ser mais ambicioso. Vou mandar uma nota aos seus pais junto com seu
boletim recheado de zeros à esquerda.
O sinal do
recreio toca, Sílvia desapareceu e amanhã, me dizem, é feriado, o grupo vai
brincar de autorama no grande pista da Av. São João, à frente o punheteiro que
homenageava a aloooourada professora de artes todas as manhãs c'uma bronha
fulminante
E eu
evitando olhar Sílvia que certamente o olhava maravilhada
Sete de
setembro, o dia em que levei meu amigo judeu Oscar pra casa e ele se encantou
com os mistérios do meu quarto
E dizem
que não há alternativa ao Tronco do ipê no terceiro ano
De que
leio linha a linha morrendo de sono e tédio
E minha
irmã entra no quarto rezingando que devia me envergonhar
E as
flores começam a se converter em dinheiro
E o
judeuzinho promete que volta na quinta-feira
E meu
colega Haroldo enfim chega com o ele-pê do Black Sabbath
E
felicidade e dever nunca mais se misturaram
E a vida
não parece tão fácil quanto não prometi a mim mesmo
E explodo,
por fim, esparramando uma névoa de orégano nas tardezinhas de sábado
E meu
próximo sonho seria com a Califórnia, tal como deixei registrado em meus
cadernos de adolescente suicida
E seria
longa a caminhada até San Francisco, ainda mais para um sujeitinho confuso e
trôpego com aspiração a zumbi
E o
pequeno pajem desponta lá no fundo do comprido corredor da matriz, anunciando o
casório da irmã mais velha, o grande amor perdido
É o dia da
independência e não posso sonhar
E não fui
abençoado com a graça das lágrimas
E o último
dia em que vi meu amigo judeu foi no cinema em que fôramos assistir ao festival
de Woodstock
E veio a
primeira visita da Morte, levando papai
Trazendo
consigo a certeza de que era muito tolo e confuso para almejar a uma vitória na
Grande Corrida
"Estou
incrivelmente triste", choramingo mas não há ninguém ao meu lado
E tem
início minha temporada de sessenta anos que, deduzo, passará assim ó
E
florescem meus delírios enquanto desço a grande avenida ladeada de lojas
esplendorosamente iluminadas
E,
invisível, dobro a esquina para o beco escuro