Amorokê na vila - Capítulo 029

Eu sou ninguém! Quem é você?
Ninguém também?
Então somos dois — não espalhe!
Você sabe — eles fariam alarde! 

Emily Dickinson 

Peguei o bilhete, fiquei ali em pé parado arado ado.
Fiquei tão
[  ] atônito
[  ] decepcionado
[  ] intrigado
[  ] feliz
[  ] todas as anteriores
[  ] ou nenhuma

que achei melhor

[  ] silenciar
[  ] fingir que não vi
[  ] chorar qual bezerro desmamado
[  ] tomar 1/2 garrafa de Teachers
[  ] tomar 1 garrafa de Passport
[  ] todas as anteriores

A princípio pensei em escrever uma resposta de cento e cinquenta páginas. Depois desisti — afinal, você nunca leu o que escrevo, ou se leu não entendeu, ou se entendeu não deu lhufas, ou se deu, sei lá que raios achou do que escrevi pra você.
Seja como for, já estou escrevendo a porra da resposta. Já tenho ela todinha pronta aqui neste inferninho que é a minha cabeçorra de tartaruga endoidecida. Vou escrever mas não vou te esculhambar. Durante esses quinze ou oitenta meses depois que me deixou, escrevi pacas pra você. Mas não vou te mostrar. Primeiro, pelas razões apontadas acima. Segundo, você não merece.
“E tudo ficaria tão simples”
[Se leu as anotações do escritor do tal de Fred usadas para a constituição do  Capítulo 009, você haverá de lembrar que a frase acima nunca foi escrita por Sílvia.]
Que diabo significa essa frase? “Tudo” o quê? “Simples” como?
Um dia disse que te achava honesta. Mas essa tua afirmação aí não tem nada de honesta. Que raio de simplicidade você quer? Um cemitério é simples. Um hospital é simples. Um cadáver anestesiado de vida é simples. Ou, em vez de simples, você quis dizer passivo? Conformado? Perturbado-mas-só-a-ponto-de-causar-frisson? E VOCÊ? Que é que VOCÊ quer de mim? Mais um figurante no filminho da tua vida? Um zumbi com quem trocar caleidoscópicas impressões sobre a defunta em que você se transformou? Ou não tenho direito de perguntar, pois, afinal, sou eu quem ama aqui? Se sou eu quem te perde? Se sou eu quem te busca?

Hm, como deve ter sido gostoso ficar lá longe gozando meus destemperos. Ah lindinha, eu queria tanto que você saísse desse teu fleuma besta de donzela cortejada e me dissesse o que pensa dos meus destemperos. Ou será que não são sequer destemperos mas apenas truques manjados dum safado que nunca abriu o jogo? Ah, lembrei. Sou um covarde. Chovo sem molhar. Furo a água. Puta merda, não imaginei que seu bilhete de despedida e esse teu pragmatismo me irritariam assim tão rápido. Lembra quando nas copas do mundo vem aquele papo nos programas esportivos? Os caras ficam discutindo o que é melhor, o futebol-arte ou o “jogo de resultados”. você é adepta da segunda alternativa, claro. A vitória é tudo. Apenas jogar não enche barriga. Quem diria, a Parreira dos meus amores. Pra quem todo empate é uma vitória. Lembra quando você era minha musa? Ainda é. Mesmo a contragosto. Me inspirava. E me inspirou por um bom tempo. Você vai querer saber QUANTO tempo, claro. No teu esquema, é necessário saber essas coisas. Me diz uma coisa (já perguntei, você não respondeu, quero perguntar de novo), por que é você vive dizendo que “gosta” de poesia aí? E por que é que fica citando a Ana Cristina? Cazzo, você não gosta de poesia. No teu esquema de resultados, você vai dizer que não tenho nada a ver com isso, claro. Na minha falta de esquemas, te amo e tenho a ver com que eu quiser. E o Dostoievski? Não venha me dizer que já leu Dostoievski. Pode ter roçado na orelha dele, mas ler, never. E aquele papo de quando nos conhecemos, que me admirava por eu ser excêntrico, ei! Sim, sou excêntrico, estou aqui, bem na tua frente, não, desculpe, excêntrico pra mim é coisa de maricas, excêntrico era aos 6 anos, estou mais pra doidivanas, destrambelhado, facínora, alucinado, [x] todas as anteriores, ingênuos como você que estão sempre se assombrando “que loucura!” nem imaginam o que seja loucura, ei! olha um louco bem aqui! legitimamente lelé da cuca, vem, Lindinha, vem se fascinar com a MINHA loucura! ué, o que é que esse louco quer de mim? Afinal loucos não me intrigam? Terei ou não terei essa quedinha por malucos? Me diga pelo amor do diabo, seu louco, o que é que você quer de mim?
Pensava te conhecer um tico. Mesmo assim me surpreendi com teu tom escandalizado. Uau, vi Bete Davis se voltando de repente e me intimando: “O QUE QUER DE MIM?” Fiquei boquiaberto, desarmado, inerme, [  ] todas as anteriores.

Sei lá o que quero de você, porra. Quero teu sangue, teus dias, tuas tardes, tuas noites, tua boca, tua buceta, teus olhares, teus pensamentos, quero te raptar e te trancafiar numa cela e te fazer minha escrava e te torturar e te fazer implorar minha complacência, cuidando apenas para que você só morra quando eu mesmo não puder mais viver. Sei exatamente o quero de você. Mas isso vou deixar pros textos que escrevo e que nunca vou te mostrar porque a tua insensibilidade me deixa doente, mais do que já sou, e vou continuar a fazer esse PPP (papel de poeta patético) enquanto me der na telha, enquanto puder te alcançar com as minhas palavras, enquanto puder realizar em minha fantasias sonhos que jamais vão se realizar, pois, como já também disse, se é sonho, não é pra ser realizado. Te amo e fôdasse o que você ache ou deixe de achar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário