A especulação


Melindrosa um dia anunciou assim sem mais nem menos bem no meio do rebanho:
– Queria tanto conhecer o açougue...
As outras vacas continuaram a pastar como se não tivessem escutado.
Melindrosa insistiu:
– Eu mugi que queria conhecer o açougue!
Janete, a quadrúpede mais próxima, resolveu se dar o trabalho de perguntar:
– Pra quê? Pra que você quer conhecer o açougue, Me?
– Ai, sei lá. Mugem que é um lugar lindo.
Mimosa também decidiu tomar tino da conversa:
– Será, Me? Quem mugiu?
– Bom, não me lembro exatamente quem. Mas que alguém mugiu, isso tenho certeza.
– E onde fica o tal açougue? – foi a vez da bovina Baldáquia imiscuir-se no diálogo.
– Isso também não sei. Onde será?
– Fica lá depois do monte da Última Curva – intrometeu-se Amarildo, um boi recém-capado que ainda guardava alguns resquícios de touro, apontando com os chifres numa direção.
– Tão longe assim? – Melindrosa olhou entre desapontada e sonhadora na direção indicada pelo boi recém-capado.
– Ouvi mugir que o açougue tem um homem chamado Açougueiro – opinou Cácia, outra que se interessou em participar da especulação.
– Mugem que é um homem boníssimo.
– E o que será que tem nesse tal de açougue? – devaneou Mimosa com seus grandes e aguados olhos bovinos.
– Pelo que fiquei sabendo – adiantou-se Baldáquia, abrochando os beiços como se mascasse chiclé –, o açougue é como um curral, só que limpinho e bem arrumado. Mugem até que tem alfafa importada!
– Muuuuuu! – mugiram em uníssono todos no rebanho, sonhando excitados com as supostas delícias daquele lugar misterioso.
– Belinha foi levada para lá semana passada – Amarildo abananou os orelhões envoltos numa chusma de mosquitos.
– Por que será que ela não voltou mais? –  Mimosa arregalou os olhões inquiridores para o recém-capado.
– Pelo que ouvi mugir, Belinha foi vendida pelo patrão ao dono do tal açougue para ficar em exposição num estande que chamam de balcão-frigorífero.
– Não me muja que ela virou miss! – estremeceu Cácia com indisfarçável dor de joelho.
– Ora, dona Cácia! – Mimosa franziu o cenho e meneou a cabeçorra em reprovação. – Afinal ela é mais bonita de todas nós.
– Ah, se eu não fosse capado... –  Amarildo babou uma densa espuma de desejo lamentoso.
Nisso, um vaqueiro abriu a porteira, açulando aos brados o rebanho para fora do curral.
– Será que é a minha vez de conhecer o açougue? – mugiu baixinho Mimosa, lambendo a queixada de excitação.


Um comentário:

  1. Linda esta bucólica inocência. Mas não sei por que chamam o povo brasileiro de gado!

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