Amaldiçoado Juninho que não me amaldiçoa

A aranha estendia ora uma, ora outra perna. Quantas pernas tem uma aranha? Não sei contar. São tantas. Me dá vontade de chorar. Quem me dera ter paciência para contar as pernas duma aranha, esperando que a noite acabe e volte a esperar.
A aranha deixava seu canto escuro na parede, atrás da caixa de força, e vinha bailar diante dos meus olhos. Por que bailas, dona aranha? Não sabes que a dança me deixa tonto? Queres troçar de mim? Ou não queres nada?
A aranha não respondia. Só bailava, daqui ali, dali aqui, de manhã cedo, logo depois do almoço, na tardezinha que lá fora engendrava um lusco-fusco.
Quando tudo começou, pensei que seria capaz de não tomar conhecimento. Agora rio. Como sou idiota. Por acaso há algo neste mundo que eu não queira saber? Sou o mais curioso dos curiosos das aranhas e de qualquer outro bicho que exista neste mundo.
Então fingi. Ó santa mãe, como fingi. Olhava para o outro lado. Fazia que não era comigo. Saía, esperando que ela não estivesse mais lá quando eu voltasse. Fechava os olhos, tornava a abrir. Até rezar rezei.
A aranha não me dava paz.
Hoje cedo cheguei, vi a aranha bailando na parede, minha parede, à minha frente, decidi acabar com a brincadeira. Taquei-lhe um, dois, três jatos decididos de Raid. (Na embalagem está escrito "Mata Moscas e Mosquitos", assim, em maiúsculas e minúsculas. Aranhas não estão incluídas. Talvez não deva matar aranhas.)
Agora a aranha jaz morta na minha parede, miseravelmente pendurada na teia que todas as manhãs armava e rearmava. As mil pernas estão recolhidas. Às vezes uma ou outra se estende e se recolhe num espasmo, balançando a teia.
Me diz uma coisa, dona aranha. Armavas tua teia para apanhar insetos ou não havia insetos apropriados à tua teia?
(Esquece a pergunta. Não quero saber. Nem da tua teia nem de nada.)
(E estás morta. Não me interessam respostas de aranhas mortas.)
Se eu fosse o Veríssimo, poderia dar a esta história uma conclusão de fábula, introduzindo nela um distraído pernilongo que acabava enredado na teia da aranha morta. Seria um fim intrigante. Imagine você quantas "morais" poderíamos extrair duma coisa dessas.
Mas não sou o Veríssimo. Não gosto da ligeireza esperta do Veríssimo. Na minha história não apareceu pernilongo nenhum. A aranha simplesmente ficou lá pendurada a troco de nada.

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