Esquerdistas, direitistas, quejandos e que tais


Umpf!


A alegação de que tudo é Ser (partindo-se da abstração 
máxima de que Ser é o que é) não inquina a distinção 
entre 'ser' e 'dever ser' que é de ordem lógica, perceptível 
na estrutura elementar do juízo, que é o ato de atributividade 
necessária de uma qualidade a um ente, consoante o enunciado 
básico S é P, ou S=P. 
Miguel Reale

A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, 
dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há 
santos, há gênios de todas as idades.
A verdadeira apoteose é a vaia. Os admiradores corrompem.
Nelson Rodrigues


Há na orkut, santuário de narcisistas indolentes, uma comunidade chamada Literatura. Não vejo ninguém sério participando. Como também não sou sério, tentei. E logo dei no pé ao me ver entre moleques e adultos subletrados que obviamente não têm algo mais útil a fazer na vida. No início ria às bandeiras desbragadas com as postagens de quem não leu nada e sabe tudo. Muitos são poetaços ─ poetas de verdade estão perdidos por aí fazendo o que vieram ao mundo fazer, sem ânimo para provar aos outros que não sabem do que estão falando. Os literatos orkuteros postam, despudorados, versinhos hilários e bisonhos. E em seu chamado perfil ostentam orgulhosos um poema dum poetão. O campioníssimo dos patronos versejadores é o Mário, gaúcho bom-mocista cujas quadrinhas sempre injetam uma injeção de otimismo em leitores propensos às amarguras da vida e que as donas de casa viciadas em telenovela guardam carinhosamente no coração.
A cafonice medra na orkut. Amigos classificam amigos e a sensualidade de amigos por meio de estrelinhas e ao mesmo tempo promovem um mercadinho de personalidades onde tentam se vender em autopromoção, fazendo poses nobres sob citações de filósofos e estrofes dos campeoníssimos Pessoa, Meirelles, Ana Cristina César, Clarice. (Na facebook é a mesma bobajada. O lance por trás de tudo é “pelamor, gostem de mim um pouquinho que seja!”
Entro na orkut e, clicando à matroca, vou parar de novo na tal comunidade Literatura. Leio sem vontade o primeiro tópico e fisgo “Mainardi”. Estarão debatendo aquele rapaz que a cada fim de semana desfere umas cacetadas em Lula e no peetismo, escolhendo a dedo temas que buscam causar frisson em seus leitores cuja grande diversão é marcar um rolê na praça de alimentação do Shopping Iguatemi? Hoje em dia, e na orkut, tudo parece possível. Chacal diz que Poligono das secas é “pervertidamente divertido”. Então fiquei de ler. Ainda não tive tempo, milhares de livros aguardam disciplinados em suspenso e em suspense minha atenção qual donzela cortejada sem que eu, cavaleiro entediado de existencialismo apodrecido, consiga decidir qual satisfazer primeiro.
Curioso que sou, vou lá assuntar o que os literatos cibernéticos têm a dizer sobre o semanal inconformista.
A polêmica gira em torno dum artigo em que Mainardi parece descer a lenha em Drummond. Fico surpreso, não por Mainardi ser capaz de atacar o vate de Itabira, pois é um valente e portanto capaz de tudo, e sim por nunca ter ouvido falar de tal artigo ou de tal paulada.
Por alguma estranha razão, me ponho a imaginar o que o Silvio Santos teria a dizer do Drummond. E Xapolin Colorado? Quanta gente por aí não terá desenvolvido conceitos fantásticos sobre o itabirense sem que ninguém desconfie?
Busco no google. Ah, eis aqui. Crônica de 2002. Acho que ninguém mais se lembra. Foram tantas as emoções nestes anos.
Outra surpresa: parece que Veja ainda tem leitores. Já se passaram uns 6 ou 7 anos desde a última vez que li aquele manual da Disneilândia. A gota d'água das gotas d'água foi uma nota numa daquelas páginas de celebridades com comentários frívolos contra o cantor Renato Russo, sugerindo que o rapaz estava morto e não sabia, e na semana seguinte, para azar da revista, RR morreu de verdade e tiveram de tocar às pressas aquele baita panegírico de capa elevando o cara aos píncaros da glória, para deleite dos leitores e para horror dos que ainda gostam de prezar um mínimo de coerência. Você pode dizer que, sendo eu um irracionalista desavergonhado, não tenho direito de exigir coerência de quem quer que seja. Só posso responder que pelo menos não me promovo como bastião das causas nobres. E me afortuna um handicap que me isenta dum veredito mais severo: ninguém me lê. E não ser lido me poupa dos bate-bocas entre jornalistões da grande imprensa a se desdobrar em malabarismos na tentativa de manter as contas do patrão no azul enquanto simulam algo que distraídos tomam por dignidade.
Zap.
Na comunidade Literatura o título do referido tópico é: “Só eu que acho o Drummond um porre?” 
Como vivo estranhando tudo e mais um tanto, estranho. Será um título do próprio Mainardi? 
Pois já começa mal. Na minha terra, eu achava que “ser um porre” devia incluir os significados que a nossa cabeça naturalmente associa a encher a lata, tomar um pileque e adjacências, escapar do fardo da realidade, sonhar acordado, mesmo que só etilicamente. E não entendo muito de meios de comunicação nem de poetas, mas em se tratando de porre sou mestre. É um dos mais eficazes antídotos que conheço contra o racionalismo mentiroso. 
Zap.
Já virou clichê dizer que Mainardi remeda Paulo Francis, mas de Francis ele não assimilou a erudição, a cultura ou a verve, digamos, cruzadista e muitas vezes autocontida para não chocar fregueses mais autossatisfeitos. Mas pôde copiar o faro para a encrenca e aprender algumas técnicas de automarketing. A diferença é que Francis não soava fingido qual Mainardi, cujos textos podem ser tudo, menos convincentes. E Francis tinha um timing inigualável na autopromoção, sempre tirando proveito circularmente da vocação de cabotino (ou saltimbanco, como gostava de se descrever), sem pudor de soar histriônico e sem medo de abusar da própria fanfarronice para tirar bons efeitos estilístico-sarcásticos. Mesmo escrevendo em jornal, não dava muita pelota para o papel de jornalista responsável que esperavam dele. (Luxo a que, obviamente, só quem tem muito poder pode se dar. Ele só veio mesmo a não dar pelota alguma quando já tinha audiência cativa, também na tevê, e se tornara habitué de resorts de seus amigos banqueiros e empresários, embora, para quem olha daqui de longe, tenha pisado com excessiva ênfase nos calos dos nanabos da Petrobrás e quebrado a cara no affair.) Chutava na direção em que apontasse o nariz, não se importando se fizesse gol contra, misturando deliberadamente verdades com minhocas subidas à cabeça direto do fígado, lixando-se para o factual. Eu ria à farta. Quando criava encrenca com algum medalhão do “cenário cultural”, então, ficava deliciosamente furibundo, furibundo como já não é possível ser, porque termos como furibundo jamais farão parte do vocabulário de 2 dúzias de grunhidos dos frequentadores de portais de relacionamento, tendo perdido a razão de ser depois do politicamente correto e do predomínio absoluto das novelas como substrato da nossa civilização. Arrumou bons arranca-rabos com fariseus jornalistas, professores-doutores et al. (Mas não tantos quanto eu gostaria.) Certa vez o primeiro ombusdman do Folhão, de cujo nome não lembro nem quero lembrar, houve por bem chamar Francis às falas por imprecisões em seus artigos. O homem subiu ao seu olimpo e de lá disparou uma saraivada de apodos letais que terminaram por esfarelar o atrevido. Nunca vi ninguém ser tão massacrado na imprensa, massacre que prosseguiria ad infinitum se a editoria não tivesse dado um basta. Curiosamente, Francis era melhor nos artigos que na ficção. Seus romances não pegaram, não como ele esperava. Provavelmente porque, embora brilhante, nunca chegou ao Francis S. Fitzgerald que almejava a ser. Ao contrário de Fitzgerald, seus livros não conseguiram ir além de um encantamento algo servil e ─ horror ─ jeca (termo preferido dele mesmo e de aspirantes a francis para espicaçar desafetos) ante os endinheirados do smart set carioca. Seu melhor, para seu próprio desgosto, é o genial autobiográfico Afeto que se encerra. Ficou (muito) decepcionado consigo e com todo mundo. Queria que o ombreássemos aos grandes da literatura. (Quem, escritor, não quer?) Dizia que as escolas deviam adotar Machado, Rosa e Francis. Pfui.
Com a aproximação da velhice, enlevado no papel de pensador iluminado da direita, Francis foi passando de peculiar a extremista, exagerando na rabugice e na prepotência até viajar no caviar como quando reclamava do excesso de nordestinos e gente feia nas ruas de Sampa, sempre no estilo blasé que seus discípulos adoravam. (Antes que termos como blasé caíssem na boca do populacho.) Entusiasmado com a aclamação popular, não raro sofria ataques totalitários. Seu exclusivismo social fez escola entre órfãos ideológicos em busca de rumos. O totalitarismo tem solo fértil em gente sem caráter que confunde a incapacidade de aceitar a feiúra e a sujeira como parte da existência com bom-gosto e, palavrinha besta, requinte.
Dia desses ganhei um dos volumes da antologia d'O Pasquim e me surpreendi como o Francis recém-chegado a Nova York era diferente daquele que anos depois se entregaria vencido ao narcisismo. (Em Minha razão de viver Samuel Wainer o qualifica de guru da classe média, em aparente acerto de contas que é insondável aos de fora do círculo. Parece que tachar alguém de guru é prática meio antiga.) O Francis d'O Pasquim já era exibido, ainda não à morbidez, com uma força estilística assoberbante que no fim, rico e paparicado, trocaria pelo autoarremedo. Talvez pudesse ter sido o grande escritor que não foi se não alugasse o teclado a seus camaradas banqueiros até finalmente virar foodie e enumerar o cardápio do Four Seasons toda quinta e todo sábado na Folha e depois no Estadão.
Ainda revisando o Pasquim, também me lembrei de como achava sacal Ivan Lessa e todos aqueles pseudônimos sem sentido e gracejos bobos. Hoje, ilegível, daqueles que escrevem bem mas não têm assunto. O pai e a mãe dele eram melhores.
(Um dia imaginei uma crônica em que Lula lê uma página (umazinha só) qualquer de um livro qualquer de Philip Roth. Na minha imaginação eu estava inspiradíssimo, rindo das minhas piadas, digitando sem hesitar, o texto se avolumando dentro da minha cabeça, as ideias se encaixando. Como quase sempre acontece, logo deixei pra lá, esqueci tudo que tinha digitado mentalmente e me desinteressei do assunto. Hoje tentei refazer o exercício, não saiu uma linha, achei o assunto totalmente sem graça, não tenho mais saco de escrever sobre o Lula. Ou de ler.)
Andei relendo um dos livros de Francis, Cabeça de papel. São três Cabeças, sem grandes diferenças entre eles, sobrecarregados de barroquismos e penduricalhos à la Tom Wolfe sem tutano, excesso de truques e escassez de recursos, um ritmo acelerado remetendo a uma erudição sufocante para que o leitor fique meio zonzo, perturbado na marra, sem chance de se dar conta de que o autor não fala nem dele, leitor, nem dos outros ao seu redor, trama e personagens transfigurados sob uma estranha ilusão de que não há vida possível fora das redações e longe dos apês-palacetes da Vieira Souto. (Há, sim. Só que é mais difícil prospectar. Você tem de ter uma índole meio de toupeira, com toda a dor que isso implica, cavar além das fachadas dos prédios e das caras, correr o risco de ficar sem ar lá no fundo.) Se você tem o azar de não ser rico/poderoso, mate-se. Francis conseguiu tirar uma fina da arte mexendo apenas com o banco de dados que mantinha na memória e a capacidade sem igual de engatar a língua diretamente ao pensamento sem circunlóquios, freios ou filtros. (O que não é tão fácil quanto possa soar aos ouvidos de quem não escreve a sério.) Em minha releitura, abri o livro e fui indo e quando vi estava no fim. Isso é, acho, prova de que era pelo menos legível, ao contrário de nove entre dez astros do firmamento literário do Berção.
Naqueles tempos d'O Pasquim não havia muita opção na imprensona, lembro de articulistas chatos como o próprio Drummond e Flávio Rangel na Folha, Raymond Aron imperdível no Estadão dominical cujos artigos deviam equivaler a umas 2 bíblias e que levava um dia inteiro para deglutir, impensável nos mequetrefes em que se converteram os jornais de hoje com seus zés-simão e as inefáveis, as malditas celebridades no alto da primeira página e essa onda de competir com a tevê, que fatalmente vai aniquilar os jornais. (Prezados magnatas da imprensa, querem reverter a queda diária na tiragem? Então parem de mirar quem assiste o jornacional e comecem a escrever para quem gosta de ler. Kartoffel. Ainda os há, acho.)
O Pasquim foi uma escola estilística, o que não é nenhum achado e nenhuma originalidade. Muitas das sacadas, truques e bordões que correm por aí ainda hoje nasceram lá. A maioria feneceu junto com o hebdomadário, ou seja, só tinha força no conjunto. Exemplo é Sérgio Augusto, para mim ilegível no Estadão, rezingando faltas de assunto num mansinho que às vezes beira o rançoso. Millôr era, qual hoje, uma no cravo e duas na ferradura, humorístico e trocadilhesco demais para ler amiúde, prenunciador do tolo José Simão com suas piadinhas deliberadamente redundantes em torno das estrelas da tevê próprias para quem precisa ler várias vezes até entender, contágio da repetição tantalizante das imagens na tevê e na internet. Henfil era cara digno, esquerdista se lido hoje. Todos os homens de boa vontade éramos sob a ditadura. Até, cruzes, Francis, no começo, o que ele mesmo gostava de alardear, hoje sabido, soando apenas como mais uma verdade dum sujeito relativamente verdadeiro em suas mentiras e contradições, que é o mínimo que podemos pedir. Na época, ao vivo, outro papo. Mudou para Noviorque, caiu de quatro ante o capitalismo. Na época, não lembro direito o ano, uma linha telefônica chegava a custar, cruzes, cinco mil dólares, telefone era patrimônio, herdeiros brigavam a foice para ficar com a linha no inventário, famílias economizavam décadas para ter uma. (FH merece uma estátua para cada uma das privatizações das estatais. Peetistas reclamam que ele as vendeu a preço de banana. Teria sido bom negócio para nós pagadores de impostos mesmo que as tivesse doado. Peetistas hoje estariam pagando 2 mil dólares por um celular se a telefônica ainda fosse estatal.) Francis em seu diário da corte nos matava de inveja contando ter quatro ou cinco linhas em seu apê, bastava um telefonema pro freguês descolar mais uma com três ou quatro vendedores de telefônicas na porta implorando para ser escolhidos. Com Francis Roberto Campos, que então chamávamos Bob Fields fazendo coro com henfil, deixou de ser anátema. E o próprio capitalismo. Talvez algum mestrando da USP se disponha a esquecer o baseado por algumas semanas e levante até que ponto Francis e congêneres contribuíram para que preservássemos o que nos resta de urbanidade? Dilma vem despontando lá longe enquanto tento decidir em qual embaixada pedir asilo.
Francis vivo era meio inanalisável. Como, lilarirari, toda pessoa de talento autêntico. Esses anos todos passados, dá para ter uma ideia. Podemos começar pelo espalhafatoso silêncio dos inocentes de bacharéis que se calam ante o abominável Lula e não param de tagarelar quando não têm nada a dizer. (Não consigo mais engolir Antonio Cândido depois que ele confessou abjetamente venerar o nosso pequeno caudilho e sua tirania light, dizendo-o “inteligente”, como se inteligência fosse elogiável per se.) Não sei se há teses e dissertações sobre Francis. Talvez algum aprendiz de bacharel tenha acordado da letargia festiva que é a vida universitária e obrado uma. 
Quando ele morreu tive um insight do vazio que ia deixar. Fácil prever, antes não tinha ninguém. Do Nelson Rodrigues jornalista peguei apenas um tico. Por que não li as crônicas dele na adolescência? Não se publicavam em Sampa? E Francis, talvez por ter sido nativo do baby boom dos amadurecidos sob as reviravoltas do fim dos anos 60, cuidava para importunar o bacharelesco em cada linha. (Para mim pessoalmente, razão de toda uma vida.) Engraçado quantas décadas o nosso modernismo, tirante cabras como Mario e Oswald, tardio demorou para vingar no Berção. Depois de Bernhard, Gombrovicz, Hemingway, para ficar nos grandes, depois de notas do subterrâneo, ponta-pé inicial do que se escreveu no século passado, depois do próprio Francis ainda tem gente incapaz de fugir do inferno do edificante, do bom-mocismo dos encastelados em capitanias hereditárias em folhões e quejandos.
(Jaguar conta que a primeira entrevista do Pasquim, com Ibrahim Sued, saiu crua a público porque ele, Jaguar, ainda verde, não sabia o que era copidescar. Assim inaugurou-se o coloquialismo na imprensa, quase 50 anos depois da Semana de Arte Moderna. Para variar, outro grande passo da humanidade movido pela acidentalidade, que nos rege a todos da inseminação do óvulo ao cemitério, ao contrário do que pretendem astrólogos, marxistas e cozinheiros. Os jornalões ainda hoje insistem no copidesque para filtrar suas matérias de impurezas da alma. Quando muito, enfiam um “risos” nas falas dos entrevistados a título de informalidade. Não adianta, o rigor mortis é a nossa sina.)
Francis era a bête noire de bacharéis e esquerdistas entricheirados em empresas do estado dizendo-se compadecidos do populacho explorado enquanto mamam nosso sangue. Salvo engano, não tinha diploma (se tinha, me corrija um fiscal biográfico aí). Raro o dia em que não espinafrava à insignificância esses professores-doutores que suam a camisa de tergal e a gravata combinando para parir três paragrafozinhos sonsos. A cafonice do intelectual bourgeois obcecado por pregar na parede da sala visível à visita que entra um papel emoldurado em imbuia, peroba ou outra lenha saqueada à Amazônia para emoldurar seus troféus de fancaria. Podes crer, nem tudo que macaqueamos dos americanos é digno de macaquice.
Além de Nelson não havia muitas opções. Escrever coluna regular é fatal. Exemplos abundam, aí está o Veríssimo e seus gracejos a se repetir ab irato há séculos. Que é que Veríssimo pensa do que quer que seja? A última opinião que ouvi dele foi há anos, a favor de Lula (mas pelo menos era uma opinião). É chato ver alguém inteligente ficar de boca fechada diante de Lula e sua selvageria benigna, que vai instilando na macacada de mansinho, sem dar muita bandeira qual seu confrade brutamontes Chávez, mais chegado à bufonaria. (A última de Lula, no momento em que escrevo, é o bolsa-celular, bônus a quem participa do bolsa-família, com 7 reais de ligações pré-pagas mensais, além do que ouso me indignar. Não adianta, Lula deu um nó na tucanada e não vai largar o osso tão cedo. E, não adianta, a macacada tem o que merece. E Lula demonstrou que odeia a fundo o País e que nos deseja tudo de pior escalando a alfabetizada Dilma para sua sucessão (a dona foi assaltante de bancos, será verdade? Jesus. Morro de medo de armas. Certa vez estava no sítio de um primo quando ele me deu um 38 para atirar numas latas e fiquei em dúvida se disparava contra a própria cabeça. Graças aos céus Lula proibiu o acesso a armas de gente como eu). E Lula, espertérrimo, mantém os sindicatos a filé mignon à custa dos fundos de pensão e empresas do governo, caso um dia precise duma “mobilização” para amedrontar as classes médias. O que nunca será necessário, obviamente. As classes médias, e as outras também, estão e sempre estarão bem quietinhas comendo pizza de calabresa assistindo o Big Brother.) Veríssimo talvez fosse grande, tivesse peito. Se reserva o direito de ficar calado. Não é bobo, pra que se comprometer à toa? Aquelas piadinhas na última página do Caderno 2 são constrangedoras, joão sem braço face à roubalheira peetista para não dar munição à “direita”, mais uma vez a ideologia fazendo as vezes das ideias.
O bacharelato despreza escritores que não paguem a devida deferência ao beletrismo (há séculos combatido por todo escritor que se preze) e ao perene neoparnasianismo que nos atazana qual praga. Entre outras razões, porque são refratários ao método, o mesmo método que trouxe o planeta à beira do abismo em que está agora. (Declaração mais desprovida de método, essa.) As crias que doutos, cientistas, lógicos e estudiosos engendraram nos últimos cinco mil anos de civilização, “potencializadas” depois da Revolução Industrial, culminaram nesta nefasta era da informação de progresso sem limite e esta na distopia presente. O homem como medida de todas as coisas de Protágoras sifu. A dimensão humana começou a soçobrar sob a RI com a mecanização da produção até virar adubo hoje sob a comunicação instantânea diabólica do celular e o lazer infinito e permanente da tevê e da web e a armadilha da gratificação constante em que a molecada se viciou. As próximas gerações serão cada vez mais abstratas.
(Como, infelizmente, em breve terei de partir para sempre deste vale de lágrimas, sem direito a retorno como querem espíritas e outros místicos delirantes, tomara que lá no céu tenha tevê a cabo para eu ver como é que meus pósteros vão se virar. Por aqui me sinto num mato sem cachorro, certo, questão de vocação. Queria saber, entre outras, que fim vão dar a vovôs e vovós de 150 anos e seus corpitos sarados mantidos a doses cavalares de química mais escalafobética a cada dia. Pelos sinais ao meu redor, em poucos anos estarão todos livres do câncer e de outras tragédias e de vírus como aids e mesmo de degenerescências como alzheimer e parkinson. A perspectiva, parece, é o prolongamento continuado da longevidade. Só tem um probleminha: os azimovianos curandeiros não conseguirão inventar um analgésico para o espírito. Nossa experiência “humana” não tem como sobreviver a mais de cem anos. Há dois meses perdemos na família nossa avozinha de 96, nos últimos anos eu vendo aterrado nos olhos dela que o fardo do corpo ia pesando mais e mais e mais, tendo os “motivos” se acabado todos. A regressão à infância no corpanzil de quase um século é desesperadora. Prazer, nenhum. Interesse, lhufas. Paparicada dia e noite por filhos e netos, torcia o nariz, praticamente implorando que o fim viesse logo. Restou apenas o império do presente, até o passado e o que pudesse guardar de reconfortante se dissipou. Melanie Klein dizendo que o idoso tem por função transmitir vivência aos mais novos é lorota. Duvido que alguém de 150 anos com corpo são e cérebro relativamente lúcido ache algo interessante a fazer. Há décadas Suíça e Holanda têm clínicas a que anciãos endinherados na casa de oitenta, noventa e cem acorrem para comprar a peso de ouro uma eutanásia que lhes permita enfim descansar. É óbvio, e todo óbvio é intolerável, mas não posso conter o touché de que lutamos cinco mil anos para derrotar a natureza e tudo que ela nos guarda de nefando, e o trágico só faz aumentar. Me compraz e consola que tudo pareça estar minguando. Certo, são minhas teorias mais pessoais e poéticas e esquizóides se comprovando. Tenho pouco, ou nada, a perder. Sempre tive a morte por companheira nata. (Putz, essa saiu sem querer. Como digo sempre, a poética ─ não a poesia ─ me dá nojo.) E falta falar dos chinas. Os caras mal começaram. Estão na revolução industrial lá deles. Mês passado a ministra da economia chinesa disse que eles precisam gerar 300 milhões de empregos nos próximos dez anos para sustentar a macacada que está fugindo do campo para as cidades. Holy cow, Lula não consegue gerar 300 sem destruir metade da Amazônia e estorricar meio Pantanal. Não preciso de bolsa do CNPq para concluir que daqui a trinta anos, a China líder mundial, mais dois bilhões irão se juntar aos escravos se esfalfando 16 horas diárias para trocar de celular no fim do mês, tirando do planeta o que não há mais a tirar, produzindo everests de lixo que não há onde enfiar, não é preciso nobel para concluir, o fim se assoma no horizonte. Há alguns anos a crise do petróleo parecia indicar que os gênios da espécie acabariam por descobrir um substituto energético que nos salvaria a todos do colossal banho turco regado a ácido sulfúrico em que vai se convertendo nossa velha Terra, mas eis que Lula, quem diria, deu de descobrir uma mina de petróleo atrás da outra e com isso os homens de cérebros fabulosos não se motivam a engendrar a tal da alternativa. E não falemos também de europeus que já começaram a se autoexterminar porque não toleram crianças e não querem mais se reproduzir e, se o mundo não acabar, serão reduzidos a meia dúzia no próximo século. É engraçado que cientistas malucos aliados aos homens sensatos que fizeram do planeta o que ele é, capazes de inventar as mais inimagináveis bugigangas para que todos esquecêssemos a dor intrínseca de viver, sejam incapazes de forjar um spray teratogênico que limpe o ar num passe de mágica e nos tire desta enrascada. Mas deixemos a salvação do planeta para o talentoso Lula e estadistas de igual quilate e voltemos à nossa hilária comunidade Literatura. Eu dizia que... Só um minuto, vou ter de voltar lá pra cima... Ah sim, falávamos do Mainardi e sua invectiva contra Drummond.) 
É mister reconhecer que o nosso subfrancis se empenha para produzir seus traques e truques à custa de resfôlegos, cambaleios e tropicões. Vive há anos de chutar o Lula. (Assim, até eu.) Deve estar duro de arrumar assunto agora que o pequeno tirano virou unanimidade, mesmo para os deslumbrados que veem Veja. (Ética é legal. Mas cuidado com o balanço. Ninguém quer prejuízo.)
Para deflagrar suas polêmicas estudadas e pífias, Mainardi criou uma lista “Temas mais afeitos a gerar forrobodó” e saiu por aí soltando balões estufados de ar. Não sei que outros papos-furados ele tem jogado para cima de suas fãs. Se forem da altura dessa aí sobre o Drummond, então estamos mal.
Certa vez bati boca pela orkut com a presidenta do fã-clube do cara, perguntando se ela não tinha vergonha de pertencer a um fã-clube, aquela piadinha do Marx, mas essa é, acho, outra história. A boçalidade que impera na orkut me fascina. A orkut se presta legal a fins antropológicos. Acho que o professor DaMatta deve ter parado de observar os brasileiros na rua e agora vive clicando em sites de relacionamento, que de relacionamento não têm nada. A comunidade Fora Lula com seus maníacos histéricos esgoelando palavrões e exigindo golpe militar conseguiu a proeza de afugentar para as hostes lulistas internautas que estavam indecisos. (Golpe neste terceiro milênio? Em Honduras pode ser.) Mainardi logrou o mesmo feito, só que sozinho (que talento, dio mio), depois de ficar anos dando a queda de Lula por certa e queimando a língua a cada previsão, até virar contraditório profissional e tentar vender seu peixe com a pose do intelectual errar-é-humano. (Virou moda com Sartre. Todo mundo cai ante uma profissão de humildade.) Veja teve de mandar o rapaz segurar a onda porque estava inquietando os frequentadores do Iguatemi que veem a revista. Tudo que o pessoal quer é tranquilidade para torrar 2 pilas numa calça jeans de grife sem dor na consciência. Obsessivos assustam.
Parece que Mainardi não existiria como tal não fosse um empurrãozinho dado por Francis lá nos idos dos 80 ou 90. Tinham feito amizade e Francis devotava lealdade canina aos amigos, ao que parece sem olhar os dentes. (Fazia propaganda para o Maluf dizendo que seria o maior presidente do Berção, o que eu entendia como licença poética. Aos grandes se deve perdoar (quase) tudo. Inclusive Drummond. Há uns tempos andei tomando umas e outras cum malufista, rapaz bem inteligente, prova de que ideologia pouco tem a ver com inteligência. ) Não sei exatamente como, onde ou quando Francis se deixou encantar por Mainardi. (Certa vez também desandou a elogiar Matinas Suzuki Jr., que logo depois virou editor da Folha. São difíceis de entender os caminhos e descaminhos que trilham esses barões da imprensa.) Dizem as boas línguas que tem algo a ver com Gore Vidal. Não posso garantir, pois não estava presente.
Zap.
Mainardi é daqueles que gostam de bater o martelo. Dá marretas a torto e direito com gosto. Quando leio me vejo diante dum juiz. Imperial. Severo, quase impiedoso, como soi ser todo ginete da justiça. Se pudesse faria uma limpeza lírica no mundo, talvez equivalente à étnica outrora intentada pelo vegetariano Adolf. “Comigo não tem conversa” é o recado que parece querer passar. Presta-se à perfeição ao seu papel de guru. (Fiéis que cultuam gurus políticos são os mais derrisórios, pois se acham in, eleitos iniciados numa verdade fora do alcance do coitado do outsider. Estão no meio do rebanho como qualquer ovelha, mas em vez de balir, rugem. Deve ser algo relacionado a vocação, mas não deixa de ter suas vantagens.) Escolhida a vítima, vai assentindo vorazmente com a cabeça em cujo interior certamente jaz alerta um poderoso cérebro de cuja perspicácia os pobres drummonds deste mundo jamais lograrão fugir. 
Logo no título o soberano decreto: chega de Drummond. Quis desistir, falei para mim mesmo, não vale a pena. Esperei uns minutos. Tudo bem, aquela estátua em Copacabana é assaz cafona. Mas Drummond não tem culpa. (Embora duvide que se opusesse, vivo fosse. Eu também não me oponho se quiserem erguer uma em minha homenagem na praça da matriz de Heliópolis.) Fui tomar um balla 12, traguei logo 3, para não dizerem que não sou um rapaz de boa-vontade. 
À parte uma ou outra tirada sobre o passado pregresso de Drummond ─ nada mais calhorda que escarafunchar o passado alheio para levantar pecados. Quem nunca pecou, que atire a primeira boutade ─, não se dá o trabalho de documentar suas graves acusações. Duvido que suas leitoras saibam onde o galo canta. Sendo um juiz austero mas, com perdão do pleonasmo, justo acredita que seu veredito seja suficiente. Autoexplicativo em sua sumariedade, parece comungar do clichê “Decisão de juiz não se discute”. Drummond é idiota e pronto. Reduzir a pó uma das maiores personalidades da literatura nacional parece ser apenas um aperitivo para tão insaciável sede de justiça. O gorduchote Mainardi, trombeteiro da iniciativa privada, vai lambendo os beiços enquanto devora o raquítico barnabé Drummond e seus pendores socialistas, antecipando o banquete de amanhã. Mais que implacável, se pretende iconoclasta. (Ao que parece, aspiração de nove entre dez estrelas da intelectualidade.) Fora com os mitos! quer esgoelar. Chega de mentira sáfica neste país! O paladino da antilira brasílica veio para botar o dedão na ferida. Drummond não passa dum verme sempre disposto a inocular o vírus da mentira trovadoresca no pobre leitor. Verdadeiro, só mesmo João Cabral de Melo Neto e sua secura caatinguense, tudo dentro do sacrossanto espírito democrático. Afinal qualquer um pode falar o que lhe der na telha e ninguém tem nada com isso. 
Zap.
Drummond meio que perdeu a mão na velhice. Fez coisas mesmo constrangedoras, versinhos supersentimentalóides aqui e ali, aquela proverbial desandada tentando emular os concretistas. E daí? Seu fantasma não precisa passar a eternidade provando isso e aquilo a quem quer que seja. Ao longo da vida escreveu bem e mal como qualquer outro poeta/escritor. Isso não vai mudar só porque os espertinhos de plantão dizem que não devia ser assim. Não há escritor que nunca tenha entornado o caldo. Todos acabam cometendo barbeiragens cedo ou tarde, se repetindo, se autoplagiando, tentando ressuscitar aquele primeiro estado de espírito em que a energia parecia infinita e o olhar era capaz de identificar o novo onde quer que pousasse. Não é batatinha assumir que o champanhe ficou sem gás, nenhum dos grandes escritores que já li, aqueles notórios à parte, resistiu à tentação de mais uma requentada no angu. Sempre chega a hora em que o escritor deixa de escrever em primeiro lugar para si mesmo para querer contentar os outros, mendigar uns elogios, reconquistar os suspiros da vizinha, o que qualquer outro em seu lugar faria. Por essas e outras Rilke aconselhou ao jovem poeta Kappus: “Leia o menos possível trabalhos de crítica. Obras de arte são de infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica”. 
Zap.
O chato nesse ataque de Mainardi é o motivo: o pusilânime Drummond teve a fraqueza de misturar poesia com fantasia, sucumbindo a rompantes esquerdistas ao longo da carreira. (Muitas das pessoas inteligentes que conheço passam ou passaram por isso. Monolíticos me dão sono.) O esquerdismo franco ou velado em algum momento da vida é o que une os alvos de Mainardi, basta ver o rol de suas vítimas.
Daí a mesmice das catilinárias. A previsibilidade. Em sua próxima crônica, Mainardi vai atacar um ex ou atual esquerdista tão certamente quanto o trânsito de SP ficará engarrafado amanhã cedo. Afinal é o que as fanáticas que o veem esperam dele. Que delícia ter uma plateia cativa. E que desgraça. A mim me sufoca. 
Gurus, sejam da esquerda ou da direita, fazem o que seus devotos esperam que façam. Exercem papeis. Seu script está escrito e não há como fugir dele. Imaginar que algo assim seja possível me dá falta de ar. Depois de ter lido essa gente uma vez, não há nada que me faça ler uma linha uma segunda vez. Tenho certo respeito por Reinaldo Azevedo, cuja inteligência e cultura salta aos olhos. (O melhor ataque à famigerada reforma ortográfica que li é dele, texto que eu gostaria de ter escrito.) Dos gurus de Veja, o melhor disparado é Augusto Nunes, autêntico estilista, domínio magistral do vernáculo, engenhoso na articulação dos parágrafos, afinado nas tiradas e nos apodos (“Exterminador de Plurais” e “Base Alugada” são hílares), bem diferente dos textículos áridos e desenxabidos de Mainardi, urdidos sob indisfarçável penar. O que empana o brilho é aquele espírito de corpo abjeto como qualquer outro espírito de corpo, o compadrio com que um levanta a bola para o outro. Que eu saiba, quem pensa tem de escrever o que pensa, não formar aparelhos. E aquela claque que diariamente baba comentários inanes em seus blogues. Jesus. A diferença de Francis, além da genialidade, é que não toleraria a cambada de puxa-sacos a seus pés, e artista, capitalizava as próprias contradições. Brutal diferença.
Sempre que escrevo celebro comigo mesmo a suprema liberdade de não ter de dar satisfações a ninguém. Não preciso pensar se fulano está alinhado desse ou daquele lado antes de enaltecer ou espinafrar o cara. Sou livre dos malditos “parâmetros” dos carreiristas que não podem dar um passo sem antes fazer cálculos mil sobre a conveniência ou inconvenicência do que diz. Believe me, maior delícia não há. Me recuso a entrar para gangues, legiões, agrupamentos, patrulhas ou milícias. Esse tipo de coisa me dá claustrofobia. 
Gurus ocupam espaços. Nisso não diferem um tico das caminhandos e libelus dos meus tempos de ECA. (Às vezes avisto ex-colegas bem-sucedidos em algum jornal ou tevê por aí. Parece que a autodisciplina stalinista deu frutos.) São todos bispos e rainhas no grande tabuleiro ideológico e não podem dar tregua ao inimigo.
A divisão das torcidas já deu. Jesus, quem consegue levar Olavo de Carvalho ou Marilena Chauí a sério? Passar a vida arremessando tomate nos adversários talvez seja bom para quem é chegado a uma confraternização, os que não se avexam de mugir no meio do rebanho. Tenho horror a tudo que cheire a ordem unida. 
A maioria desses fanáticos escolhem seu lado político religiosamente. Pensam que sabem por que pensam o que pensam. (Com perdão pela recaída nos efeitos fáceis.) Direitistas defendem a livre iniciativa como bálsamo geral, esquerdistas dizem que o estado deve intervir para proteger os mais fracos. Todas essas ideias não passam de abstrações, naturalmente. Só existem em livros e em discursos no Congresso. Incomprováveis, como muitas outras. Basta olhar para trás e ver. Mas olhar com coragem, não olhos embaçados de fantasias ou cifrões. Na minha cabeça confundo capitalismo com catolicismo e socialismo com islamismo. O pessoal se inflama contra ou a favor de Lula como se não tivessem outra coisa a fazer na vida. Lula não foi o primeiro nem será o último dos nossos flagelos. Lula é o Brasil. Não há purgante racionalista que nos livre disso. Dia desses FH causou comoção alertando em artigo no Estadão para o perigo do continuísmo lulista. Mais uma vez os leitores babaram. Só que, bidu, mais uma vez FH se esqueceu de quem foi o inventor da reeleição, a mais traumática ruptura da ordem política dos últimos tempos. É fácil resolver pepinos num artigo de jornal.
Leitores de jornais e revistas e membros de comunidades respondem a tais artigos e a tais blogs citando Sócrates, Nietzsche e outros menos cotejados, só para comprovar que vivem num estado idealizado, saudosos do tempo em que podiam fantasiar com belas adormecidas. Que bom seria se todas as nossas contradições pudessem caber numa citação, afugentando nossas dúvidas bestas para longe. É gostoso ter só certezas. Nos sentimos seguros de que estamos no caminho certo e o nosso mundo é indestrutível.
Pena que essa ilusão da indestrutibilidade esteja levando nossa Terra à destruição. Os hipermanda-chuvas que vivem defronte o Central Park, capazes de movimentar 1 trilhão de dólares num só dia e decidir os destinos de países inteiros num clicar de mouse, estão se lixando para o fato de que daqui a 5 anos centenas de espécies de peixes e mamíferos terão deixado de existir ou que nos últimos 40 anos os oceanos perderam metade de sua capacidade de reciclar poluição e esgoto ou que o aquecimento climático causado pelo gás carbônico está absolutamente comprovado apesar das negativas do Lula americano, Bush, e seu sucessor Obama. O único consolo é que nem mesmo essa gente poderá escapar ao Tsunami Final.
Discutir ideologia para mim faz tanto sentido quanto falar de moda. Os discursos dolorosamente vazios de políticos primários no Congresso e o arrazoado enjoativo de articulistas nos jornais equivalem a um desfile de Giselle Buenchen na passarela. Enfarado com o que se encena no palco, olho para o público. Parecem meros viciados em adrenalina. Precisam reassegurar dia após dia que seus ídolos têm brios e não temem a luta. Arrancam os cabelos discutindo o fim de Fidel. Qual é a importância de Fidel na minha vida? Nenhuma. Certo, o campeão de discursos quilométricos serve de inspiração para evos e chavez. Evos e chavez também não têm importância alguma. Falar dessa gente é tão inútil quanto falar de Lula. Todo esquerdista e direitista que conheço é esquerdista ou direitista porque não suporta não ser alguma coisa. Não ter um idéologo a lhes ditar o caminho é o mesmo que flutuar no vácuo, intolerável como renunciar à ideia da existência de deus. Saber que há um ente acima do bem e do mal, em permanente vigilância, onisciente, onipresente, ser tão perfeito que sua própria perfeição nos impede de duvidar de sua existência, é tão reconfortante. Atenua um pouco o desamparo angustiante em que a maioria de nós vive do primeiro ao último dia de nossas vidinhas de formiga mas temos medo de confessar porque em nossa fragilidade não podemos admitir que somos frágeis. Alguns se dão até o luxo de dedicar suas vidas ao estudo de Derrida em busca de algo que faça sentido.



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