Acabei de ver Boy Interrupted e,
claro, fiquei profundamente perturbado, uma miríade de sentimentos confusos me
assoberbando a cada instante, tentando em vão comer a pipoca de todas as
tardes, primeiro compaixão pelo guri Evan Perry, mãe, pai, o tio que se matou
c'um tiro 20 anos antes pela mesma doença, transtorno bipolar, provavelmente o
mais terrível dos castigos a que está sujeita essa nossa defeituosa, acidental
raça humana buscando uma saída no cosmos sem saída, depois impotência e revolta
e raiva pela impossibilidade de cura e, claro, vontade de cair no berreiro por
sentir na pele o padecimento daquele menino que nasceu para pagar todos os
pecados do mundo até enfim se render, aos 15 anos, idade insuportável pelas
alterações hormonais bruscas e desconcertantes, a hipersensibilidade, o
desamparo, a solidão abissal, ao suicídio que o seduzia desde a infância
conduzido pelo sopro da dor invencível e que atrai a todos nós incapazes de
enxergar muito sentido no que quer que seja. A canção que Evan compôs com
apenas sete anos, apresentada no filme, é estarrecedoramente trágica, prenúncio
cristalino de que ele não poderia jamais se safar do seu predestino.
Bem-aventurados os que nunca receberam a visita dos demônios da depressão
mórbida. (Depressão a que em Darkness Visible William Styron reclama dos
especialistas um nome mais representativo de todo seu horror. Quem nunca sentiu
não faz a mais ínfima ideia. Me admira que certos depressivos bipolares
consigam chegar à idade adulta sem lograr a bendita interrupção a que se refere
o título do filme.)
E então o aturdimento ao me dar conta
de que o Boy Interrupted, produzido e dirigido pela própria mãe de Evan,
cobre absolutamente toda sua vida, desde o parto até o enterro, cada etapa
importante, em abundantes, às vezes excessivos detalhes, como se, caras-de-pau
ávidos por sangue e bisbilhoteiros sem-vergonha que somos, espiássemos por um
buraco na parede sem dar ao miserável do guri o direito de proteger a própria
intimidade.
Assisti o filme ontem e ainda estou
atordoado. Com meu próprio voyeurismo inaceitado, me sentindo meio cafajeste.
Com o, sei lá, descaramento da mãe em “fazer das tripas coração” (acho que
nunca vou conseguir aplicar esse clichê com tamanha propriedade) para passar
pelos anos de filmagem no que deve ter sido a mais pesada das cruzes. E, não
sei se sobretudo, com a descoberta de que toda nossa “experiência” hoje em dia
é registrável por qualquer celular de 10 dólares e amanhã nossos esgares de dor
podem estar passando nas salas de visita do mundo todo e, claro, sei lá, nenhum
romance ou poesia ou hieróglifo já não tenha razão de ser.
Nenhum comentário:
Postar um comentário