Parem as máquinas


Seus mais belos, íntimos sentimentos
Enfie-os no magnífico liquidificador
(Que seus ouvidos e olhos desconhecem sem saber)
Durante este exato momento
E em todos os momentos já pulsados unicamente a seu favor
Atiçando o fogo apagado do seu coração.

Despeje no recipiente trancado nos porões o licor
Transborde
Se melecando dos fluidos furta-cor
Do sangue impuro e gosmento em suas veias
Do visco da esporra congelada no banco de esperma.

Plante as patas neste chão
Que seus pais teimaram em evitar
Pise nas poças que seus pés saltam impacientes.

E beba, mergulhe, se afogue, celebre
Pondo onírico seus ovos
Trocando sua casca
Furando seus olhos.

Pare as máquinas
Voe com os ventos
Caia e apodreça
Para enfim inocular o estéril deserto.

Que nasçam fabulosos, malucos internautas
Raras avis rarae no zoológico de cadáveres
E chacoalhem, e derrubem
Com sua divina e nativa inquietude
Os podres frutos a jazer em secos galhos de árvore tombada.

Que venham facebookeanos agitadores
Libertem de sob as lajes acres fedores
Represados nos túmulos fantasticamente vazios
E asfixiem os zumbis ao alívio das fragrâncias habituados.

Venham, venham os párias todos
Profanos, inconformados
Com a ultrajante insolência
Dos que não fingem honradez.

Chamem os malcriados, rudes violentos
Decididos a virar todas as mesas, espatifar os cristais
Cuspir nos convivas
A se banquetear da insossa papa que levam
No mais assombroso dos banhos-marias.

Tragam, ó indesvirginável virgem, vos suplico
Tragam irreverentes
Que desmascarem os corolas da boa-fé
E berrem estridentes suplantando
O ciciar dos macios cochichos na sacra nave
Que no auge da infecunda manhã nos ensurdecem.

Venham hackers
Disseminem seus vírus
Invadam os virtuais santuários
Derrubem os sistemas, travem as CPUs
Programem a aranha-rainha, definitiva senhora das redes
Em que nos emaranhamos os mosquitos da liberdade.

E, vos rogo, parem as máquinas.

Aproximem-se saltimbancos bobos da ridícula corte
Onde nobres farsantes engolem carniça e arrotam crème brûlée à la framboise
Façam que os reais fanfarrões, o duque e a baronesa de si mesmos debochem
Pois poucos há mais risíveis que o palhaço acidental.

Acorram encrenqueiros
Perturbem do convento o sepulcro silêncio
Imposto pelos autobeatificados santos
Que desde a construção do egípcio calendário
Roubaram do mundo a imortal mágica
De sonhar o sonho sob o aguardente doce
Para dormir o sono do leite choco
Sem nunca acordar da ressaca eterna
A embalar-se por maricas profetas
E salvar-se pelo soporífero veneno dos curandeiros.

Reúnam-se incendiários
E façam dos templos e palácios fictícios
A fogueira derradeira
Que aqueça os extremistas, inconformistas
Rebeldes
Amotinados, subversivos
Que tomarão seus lugares
Na entusiasmada moderação das comunidades
Na tresloucada direção das empresas
Na embriagada reitoria universitária
Para enfim instituir a justiça.

Venham todos
Homens, mulheres em carne e osso
A desafiar os vaticínios da mesmice
Adivinhos que invariavelmente omitem as emboscadas
Bruxos da paz
Iluminados das toupeiras
Traidores dos traidores.

Uivem, uivem todos
Loucos lobos
Contra o coro das vacas a pastar
Gabolas, parlapatonas na campina seca do presépio.

Ataquem já bárbaros, selvagens, brutos
Emporcalhem a brancura dos puros castos
Limpem com as túnicas dos anjos o excremento das calçadas da Av. São João
Deflorem a sacralidade dos cabaços
Estraçalhem a integridade dos caráteres
Submetam à lingulectomia os demagogos
E riam da ingenuidade dos currículos.


Um comentário:

  1. Sobre Audrey Hepburn, Paulo Francis sapecou: "Uma grande atriz afronta o público, derruba suas ideias preconcebidas de comportamento. Fazem ainda mulheres assim?"

    Parafraseando: Um poeta afronta o público, derruba suas ideias preconcebidas de comportamento. Duvido que o senhor ou a senhora encontre um digno do nome na facebook, onde o que todos buscam é um paparico, uma, oh fucking Christ, curtida.

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