Memórias do cárcere químico XXI

Me param na rua querendo saber como é que cargas d'água que índios Kaiowá bebem pra curar ressaca um sujeito educado e pleonástico como eu decidiu votar em Bolsonaro.

Ora, me locupleto de fina paciência para responder, ora! O Bolso vai botar o Marcos Pontes na Ciência e Tecnologia! Merece até um pontão de exclamação.

Marcos Pontes? esbugalham os olhos, derrubam o queixo, espremem as pálpebras, crispam os punhos meus interlocutores. Aquele...?

Sem tirar nem pôr! exulto, regozijo-me, embriago-me de júbilo ante a genuína estupefação dos e das caras.

É tamanha a surpresa dos meus co-eleitores à procura dum candidato, que me sinto na obrigação de explicar.

Vejam, senhores e senhoras, o Pontes foi o único aviador brasileiro que teve interação profissional com nada mais, nada menos que a NASA! Querem mais Ciência e Tecnologia que isto? (Parêntesis: sempre que uso "isto" e "este" me lembro duma crônica de Ferreira Gullar em que contava que certa feita um revisor, obcecado por seguir as regras linguísticas, trocou todos os istos, estes e estas por issos, esses e essas em um texto seu. Sabem como é esta gente que lê os Manuais de Redação da vida...)

E... eh... é... eles abanam a cabeça, entre relutantes e céticos.

E isso não é tudo, insisto. O Pontes é aviador da nossa gloriosa Força Aérea! Reformado mas milico mesmo assim.

A reação agora parece mais firme. E unânime. Sacumé, tem gente que só falta se babar e se coçar e se lamber ante a hipótese dum batalhão de fardas verde-oliva a desfilar por entre os gabinetes do Palácio do Planalto, ocupados em decidir os destinos de nós reles civis bons de gogó mas ruins de voto.

É mesmo! exalta um e outro, assentindo com energia. Esse sabe das coisas.

Ainda assim percebo algo de dúvida nos ensaios de resmungo e nas expressões desanimadas à minha frente. Só me resta o argumento que, a meu ver, haverá de serenar a inquietação no espírito dos meus compatriotas. Ejeto a bomba como se fora copiloto do tenente-coronel Marcos Pontes numa imaginária batalha aérea contra a saudosa Luftwaffe:

E me respondam uma coisa, faz favor. Quem foi o brasileiro que chegou mais perto de Deus?

Eles franzem os sobrolhos. Inclinam ligeiramente as cabeças, tentando mastigar o enunciado cujo eco ainda paira à nossa volta na calçada. Trocam olhares meio incrédulos, buscando corroboração.

De repente um deles relaxa os ombros e dá liberdade ao ar represado em seus pulmões. Uma outra acompanha o primeiro. Um frêmito parece interconectar a pequena multidão de meia-dúzia de votantes que anseiam por um desgraçado que seja, senão um ás da administração pública, ao menos um cristão honesto.

Nisso Quico dá um tranco na guia que seguro com o punho travado da mão direita, anunciando que está na hora de puxar o carro. Zezeí o imita, emitindo um breve latido de enfado.

Bem, amigos, acho que já vou indo. E em outubro, cuidado com os populistas. E os esquerdistas, que quebraram o Brasil em bilhões de pedacinhos, a maior parte deles hoje em contas na Suíça...



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