duzentos e setenta


Vai, fofo! O taxímetro do Alt tá correndo. Espreme logo essas laranjas.

Ai benzim, tô cuma dor danada no joelho.

De tanto ficar em pé. Dá aqui, espremo eu. Vai deitar no sofá.

Ficar em pé nada, anjo. Foi o estupro de hoje cedo. Pra que judiar do seu amorokê assim?

Quem mandou me seduzir, seu pilantra? Levou o que merecia.

Mor, você é tão prepotente na cama. Sabe o que me lembra às vezes quando trepa em cima de mim?

O quê?

Uma hipopótama. Hipopótama virtuosa mestra nas técnicas do sexo e da tortura.

Só você, queridinho. Adoro quando capricha na poesia.

Não usa com teus outros machos, usa?

Claro que não, mor. Exclusividade do amoreco. Apesar do pinto mole. Bem, diz uma coisa.

Digo.

Como é que consegue gozar sem ereção?

Papai também tem seus segredinhos, linda. Põe bastante açúcar. Essa lima tá muito azeda. Não gasta água. Veste aquela sainha jeans pra eu ficar te olhando lá da sala.

Joia essa rendada, né? Comprei na Casa das Calcinhas. Só pro meu galã.

Cê devia economizar um pouco, Sô. Um jogo de calcinhas e sutiãs pra cada freguês, não precisa, não ligo.

Cê sabe que não tolero promiscuidade, né bem? Quanto quer de vodka?

Uns cinco centímetros. Tô meio fraco depois da pegação.

Mas se não mexe um dedo. Fica lá estendido que nem motoqueiro atropelado por caminhão.

Falar nisso, como vai o Chico? Faz tempo que não vejo no buteco.

Quebrou as duas pernas, tadinho. Ontem passei no hospital, fiz um blow. Pra reanimar.

Ele tá em quarto separado?

Claro que não, né fofo. Já viu pobre internado em apartamento?

Na enfermaria? E os outros pacientes? As enfermeiras?

Ficaram olhando, ué.  As meninas são todas minhas amigas. Uma até filmou.

A esta altura tá no youporn.

Só. Gelo?

Duas.

Meu clip com o Agenor, subi ontem.

Dá uma coadinha, vai. Esses gominhos não são bons pro intestino. Não tem perigo da mulher dele ver?

Ela que se foda, né morizinho. Aquela dona é uma neurótica.

Fez anal?

Claro.

Mas o Agenor é um jumento de grande. Não dói?

Dói gostosinho. O barato é quando entra a cabeça, dá um friozinho na barriga. Cê sabe como é. Pena, essa tua hemorroida. O Agenor queria que eu desse um rimming nele, cê tá doido cara? Só no meu amorokê. Benhê, me diz uma coisa.

O quê?

Hoje em dia todo mundo é favor de gay, certo?

Certo.

Quer dizer que esse todo mundo é favor de dar a bunda, certo?

É.

Então por que tem essa mulherada toda que é contra dar a bunda?

Pois é, a maioria parece que não gosta.

Num tô dizendo isso. Não gostar tudo bem. Eu por exemplo não curto espanhola. Maior bobeira. Tô falando filosoficamente.

Já sei a quem você tá se referindo.

É. Outro dia a Cateleine me disse que acha meio nojento. Mas detesta quando faço piadinha com gay. Diz que não é PC. Homem pode, mulher não?

Ah benzinho, essa gente progressista de hoje é assim. Coerente que nem o nariz deles. E delas.

Cê gosta do nariz da Cateleine?

Num gosto nem desgosto. Neutro.

E a boca. Ela vive se gabando da boca. Faz assim com os beiços e chama de bocão. Cê tem vontade de beijar ela?

Cê sabe que não gosto de beijar, mor. Acho meio nojento. A Cate tem bocão mas não é sensual como ela pensa. Não tem, digamos, personalidade. E não combina com o rosto. Parece um rasgão. Mas bem que eu dava um cheiro na bucetinha dela.

Acha ela feia?

Médio.

E eu?

Sabia.

Diz.

Já disse. Mil, seiscentas e quinze vezes.

Diz de novo.

Você não é o que padrão tem por beleza mas teu rosto é daqueles que provocam um espasmo na rola da gente. E tem a boca mais beijável do mundo. É a única mulher que me dá tesão.

Como é esse negócio de ter tesão de pinto mole?

Difícil explicar, benzim. Mais ou menos como sentir o cheirinho extasiante do teu frango à passarinho mas não sentir fome. Ficar só no olfato.

Que cê respondeu quando ela te chamou pra cama?

Que não fazia mais sexo.

E ela?

Só franziu a testa e desbaratinou, sem qualquer comentário. Mas deu pra ver que ficou decepcionada.

Uau, deve ser meio barra. Nunca passei por isso.

Nem vai passar, amorokê.

Toma. Botei mais vodka neste. Tava meio fraco, num tava? Estolichinaia. A do lulla. Que cê tá escrevendo aí, morzim? Poesia?

Como posso escrever poesia quando a poesia está viva sacolejando o bundão em pé bem na minha frente?

Ai morokê, minhas pernas ficaram bambas agora.

Teus pernões de égua, você quer dizer.

Cachorro!

Hipopótama! São aqueles documentos do Jorge.

Será que ele te paga antes do Natal? Queria passar o revellion em Catende.

Tua parte fica por minha conta.

Nenhum do meu harém vai estar disponível. Vão festejar com as patroas.

Inda bem. Magina você chegando na cidade cum cabra estranho. A cara da família.

Papai me mata. Digo, mata o cabra. Não queria encarar três dias de ônibus. Avião tá uma facada. Puta merda, olha só a meleca.

Vem, que te dou banho. Traz a jarra.

[banho e respectivas prebendas]

O Jorge vai morrer cuma fortuna na rescisão dos empregados. A crise tá ótima pros advogados.

E os médicos. O Alt anda com azia, labirintite, enxaqueca e coceira. Ontem quase bateu o carro. Tá ficando maluco com o tal do Uber. Odeio quando menstruo.

Pra que tanto desperdício de sangue? Deus meu.

Quantas asinhas?

Sete.

Farofinha?

Do que que é?

Trivial. Farinha de mandioca, banana, bacon, cenoura, ovo, linguiça. Na manteiga.

Tô sabendo, morzim.

Sabendo o quê?

Cê tá querendo me matar. Entupir minhas artérias. O método mais seguro que há. E insuspeito.

Gostou?

Não tá curta demais? Daria pra ver a calcinha, se estivesse usando. Teu pai vai ficar puto.

Vou ter de pôr. Pra segurar o modess. Lava os óculos, mor. Tá todo embaçado.

O shortinho turquesa não é melhor? Puta merda, num guento mais revisar esses contratos. Causídicos de bosta. Descolei um troço legal pra você fazer a chuca. Sorbitol com laurilsulfato de sódio. Rápido e sem bronca.

Falando em chuca, o Índio deu a maior ralada no Civic dele ontem. Fudeu toda a lateral. Deu até dó.

Tem seguro?

Sei lá. Cê acha que botei muito sal?

Muito pouco. Mas tá tostadinho. Por que esse cara tem esse nome afinal? É índio mesmo?

Diz que é, mas num ponho minha mão no fogo. Choramingão que nem ele só. Precisava ver quando pegou o poste.

Porra, os índios tão montados. Traficando madeira, ouro, pedras. A Funai faz que não vê. Têm terras do tamanho do Piauí. Cê viu meus óculos de sol, fofim? Pensei que tavam na estante.

Quando cheguei hoje cedo cê tava sentado no alpendre espirrando que nem porco. Pegou gripe? Cuidado pra não me passar.

Acho que é algum tipo de alergia. Me dá quase toda manhã agora. Adoro espirrar. Só não gosto de tossir.

Nem eu, benzim. Tô pensando em assar um coelho à noite. Que cê acha?

Não matando na minha frente. Só não põe batata. Lembra do Ligeirinho, aquele que criava coelho? Queria que eu fosse na casa dele ver o abate. Passava uma gilete na garganta dos bichinhos.

Será que dá pra fazer chouriço com o sangue?

Nunca ouvi falar. Provavelmente não. Posso desligar a tevê, bem? Cê nem tá assistindo.

Daqui a pouco vai começar os dez mandamentos. Penúltimo capítulo. Tá lindo de morrer. Não sabia que a bíblia tinha tanta tragédia. Aumenta o volume só um tiquinho.

O Pizza reclama que a Cateleine tudo que faz tem que ter tevê no meio. Não transa sem. Ô mania. Ô vício. E a maldita coca. Deve arrotar que nem uma tartaruga durante a transa. Queria escutar um pouco de música. Ontem à noite baixei umas sonatas do Beethoven. Vai bem com a laranjada de vodka.

Papai e mamãe não tão nada bem.

É mesmo?

Não vem com essa cara de santo não. Vi vocês dois em altos papos na mesa do salão antes de ontem. Pensa que não saquei, é? Tem alguma encrenca entre os dois. Pode ir falando.

Nem sonhar, mor. Assunto confidencial.

Que mané confidencial nada. Em casa não pega. Papai mesmo vive dizendo que isso de privacidade é coisa de protestante. Dá uma dica pelo menos.

Neca. Passa o gelo, lindinha.

Se acontecer alguma coisa com mamãe você vai ver só. Putz, andou roendo as unhas de novo?

Foi só na mão esquerda. Mais pra aparar. Tava te arranhando na cama de manhã. Promete não ficar zanzando por aí no fim da tarde? Agora no verão é temporal todo dia. O el niño tá bagunçando o coreto.

Que coreto é esse que você vive dizendo, fofim? O Alt é bom de volante, não precisa se preocupar.

Só pede pra ele não passar perto de rio. Promete? Ontem duas mulheres desaparecem de carro no Pinheiros.

Prometo. Preciso ir. O taxímetro do Alt tá correndo. Vê se come o brócoli, tá no fogão. Beijinho.

Schmack.



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