A última gota

Ei, você aí!
Sim, você.
Aí sentado de mouse na mão, olhando a tela do computador.
Clicando por páginas, links, tópicos.
Pulando meio indiferente, meio distraído, impaciente, sem saber se lê ou segue adiante, sem saber o que pensar ou dizer.
Tentando extrair algum sentido de algo, assim mecanicamente, movido pelo impensado impulso de deixar ao menos uma marquinha de sua passagem pelo planeta.

Você aí conformado com as injunções da existência mas desde sempre movendo céus e terras para nunca levar no lombo um balde de água fria.
Você, incapaz de disfarçar o temor de que a última gota finalmente pingue.
Rezando, entre dentes esbranquiçados quimicamente, da forma mais dissimulada de que é capaz, para que as dores venham.
Mas não no atacado.
Não à última gota.
E, queira deus, não engendrem a grande conspiração para desabar sobre este país abençoado qual um tsunami japonês.

Você aí que não se sente cúmplice ou conspiratório.
E que sabe aplicar ao substantivo o mais apropriado qualificativo e apreciar a beleza das rimas ricas.

Você aí que classifica os outros pelo signo astrológico.
Que é um cavalheiro e uma dama.
E não se estressa por bobagens.
E faz de conta que não é com você.

Você aí que nunca se mete em encrenca!
Sempre rindo, também meio disfarçadamente, dos que vivem em permanente estado de espanto.

Pois você aí nunca se espanta com o céu, o ganido dos cães ao longe, a sua cara no espelho, a maravilha dos mais recentes acrônimos técnico-científicos, o cheiro dos grilos à noitinha substituído pela sedutora cintilação dos letreiros em néon pink nas ruas da cidade.

Você aí, supergirl, superboy, superman.
Quero ser seu ursinho de pelúcia.

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