(Nada a ver com Orides Fontela, ainda)

Canto dum sapo do pântano a besouros e borboletas hipnotizados por estrelas pífias

Até onde pode este fossorial habitante dos fundos dos mundos lhes dizer o que sente sem que o abalizado besouro e a alinhada borboleta queiram censurá-lo em nome das alturas que o mundo lhes ensinou a desejar, preservando-se das intempéries e pintando-se e decorando-se com florzinhas pink and green and blue e coraçõezinhos entrelaçados cor de sangue?

Não façam essa cara de espanto. Sim, a cortês borboleta e o esclarecido besouro são aspiradores das alturas. Aspiram, pintam, preservam e decoram alturas como todos os aspiradores das alturas que o mundo ensinou a aspirar às alturas.

Este tosco pulador sem rabo queria saber uma coisa: como é que se chega a um estado desses? Digo "estado" porque não sei que outro nome dar. Afinal, aspirar às alturas é o quê? Profissão? Pendor? Destino? Signo? Vocação? Inércia? Falta do que fazer?

Tem outra coisa que este nada olímpico saltador sem vara queria saber: aspirar às alturas requer coragem?

Porque, porra, fico pensando, e se eu começasse a aspirar às alturas? Mas como? fico pensando, como aspirar às alturas se tenho medo de aspirar às alturas?

Sim, meu garboso besouro, minha elegante borboleta, sou um anfíbio-banana. Me cago de medo de tudo. E não é de hoje. Girino, tinha medo de ir à escola, hoje tenho medo de ir trabalhar. Tinha medo de me juntar aos outros girininhos. Hoje tenho medo de me aproximar do lago. Tinha medo dos trovões, hoje temo rojões festivos. Tinha medo do claro, tenho medo do escuro. Tinha medo de tomar banho de sol, hoje não suporto a chuva.

Temia aspirar às alturas, hoje temo aspirar às alturas.

Então deduzo que todo mundo aspira às alturas porque todo mundo tem coragem e eu não aspiro porque me cago de medo.

Porque, porra, aspirar às alturas parece tão incrivelmente simples. Besourinhos e borboletinhas praticamente nascem sabendo. Um besouro gurizinho de um ano já se mostra um belo aspirador das alturas. Se soubesse falar, o bestinha podia me dar aula de como aspirar às alturas. Se já soubesse voar, o monstrinho podia abrir uma escola de aspiração das alturas para linguarudos cagões feito eu.

Porque eu não seria o único aluno, seria? Porque, porra, devem existir neste mundão aí fora, perdidos no meio das multidões de aspiradores das alturas, outros batráquios medrosos que não aprenderam a aspirar às alturas, não devem? Ou será, ó deus das poças d'água, que sou o único não aspirador das alturas em todo o universo?

Quem sabe eu não poderia abrir tal escola? Quem sabe eu até virasse professor em tal escola?

O digno besouro e a preclara borboleta vão estranhar, obviamente. Como é que eu, potencial aluno da escola de aspirar às alturas, poderia abrir uma escola de aspirar às alturas e dar aula numa escola de aspirar às alturas se não tenho a mínima ideia de como aspirar às alturas?

Seria o cúmulo do absurdo, não seria?

Seria mais ou menos o mesmo caso daquele homem que sabia javanês, não é mesmo?

Mas o professor de javanês ensinava javanês com tanta facilidade, quem sabe eu não me daria tão bem quanto ele?

Qual seria o primeiro requisito para me tornar professor de aspiração das alturas?

Vejamos.

Acho que o primeiro requisito seria tomar as precauções necessárias. Pois já percebi que, senão todos, pelo menos a maioria dos aspiradores das alturas tomam as precauções necessárias. Alguns chegam a tomar mesmo as desnecessárias. Os que se formam neste primeiro estágio recebem a designação de Aspiradores das Alturas Tomadores das Precauções Necessárias (Ou Não).

Uma vez tomadas as necessárias precauções, o segundo requisito talvez fosse ficar no meu lugar. Pois outra característica que já notei nos aspiradores das alturas é que todos eles sabem ficar direitinho nos seus devidos lugares, embora desejem ardentemente estar em outro. Os que não aprendem a ficar em seu lugar pumba! desabam lá de cima e se esfacelam legal, deixando-os c'uma puta cara de tacho.

Uma vez tomadas as necessárias precauções e ficado direitinho no meu devido lugar, o terceiro requisito seria saber me proteger. Do que é que os aspiradores das alturas precisam se proteger? Ora, aspiradores das alturas dignos do nome jamais fazem perguntas desse tipo.

A próxima lição provavelmente seria não brincar com fogo. Fogo durante o voo é um perigo. Imagine só se a fachada se incendeia? O aspirador das alturas teria de fazer outra. Para mim, seria um absurdo, pois não tenho ideia de como fazer uma fachada, que dirá refazer.

E imagino que se a ilustre borboleta e o respeitável besouro não podem brincar com fogo, talvez não seja possível também brincar com água. Mas, vejam bem (vejam bem, a vida também me ensinou a dizer "vejam bem"), eu disse "talvez". Não tenho certeza. O que pode ser destruído pelo fogo pode ser destruído pela água? Ou a fachada dos aspiradores das alturas não funciona tão mecanicamente assim como imagino que esses tipos de coisa devam funcionar? E se a sua notável fachada sujar? O compenetrado besouro e a ardilosa borboleta vão lavar com quê?

E não se esqueçam do grande risco -- o risco de que todas as alturas se queimassem, pondo às escâncaras a medonha feiúra do que elas ocultam. Talvez bem naquele dia faltasse água. Sem brincadeira, seria o fim do mundo.

Sem falar do maior risco de todos -- o de o destemido besouro e a insigne borboleta toparem c'um destruidor de alturas. Que é que a cautelosa borboleta e o escolado besouro fariam? Me digam. Sei que o ladino besouro e a esmerada borboleta nem imaginam. Afinal nunca lhes aconteceu. Mas, só por um segundo, tentem -- que é que o esplêndido besouro e a magnificente borboleta fariam se um dia topasse c'um destruidor de alturas?

(Calma, é só um exercício. Provavelmente nunca vai acontecer.)

Mas, pensando bem, sei lá, eu no seu lugar, eu no seu lugar ficaria co'a pulga atrás das orelhas. C'um pé atrás. Co's dedos cruzados dentro dos bolsos.

Oquêi, talvez não seja motivo para preocupação. Pode ser exagero de minha parte. Pra que sofrer à toa?

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