Dedos, mãos, lábios

Que coitados os dedos
incansavelmente – mas coitados mesmo assim! – se curvam, retorcem
estiram, crispam
do primeiro bocejo da manhã ao cerrar das pálpebras à noite
infindavelmente, impudicamente
escarafuncham frestas
penetram furos, saliências e depressões
empolgam objetinhos
(Esses incontroláveis objetinhos da minha vida.)
Servindo de tenazes, esmagadeiras, perfuradoras, formões
puxam, empurram, retêm, apóiam, fazem que não, pairam no ar
(Regendo desvairados a orquestra que me acompanha enquanto me sorvo.)
Indecisos, coçam a testa
impotentes, coçam servilmente regiões mais recônditas
e, lascivos, alisam os seios dela sempre que, distraída, ela baixa a
guarda para dar uma oportunidade aos insaciáveis
laboriosos
tensos, nodosos
seletivos, safados
judiciosos, sem cerimônia
que vezes e vezes agarraram a xícara de café pela asa e a
fizeram voar até os lábios
apertaram botões, viraram páginas, abriram tampas, fecharam portas
e, solidários, como mais não há na natureza, uniram-se
em dez para agarrar as alças com que carreguei daqui ali todas minhas tralhas
fechando-se em síncrono compasso, fazendo-se maças
para esmurrar inimigos (ah, todos meus inimigos!)
incontroláveis, abrindo o que nunca deveria ter sido aberto
alheios à cabeça, discando um número que nunca mais deveria ter sido discado!
frenéticos, inoportunos, teclando as confissões patéticas dum marmanjo sem pejo
registrando – para quem? –  segredos de polichinelo (urgh!) – desconhecidos
para a própria cabeça
execráveis, deixando tão inquietas as mãos
ah! mãos!
pobres destas mãos!
eternamente abertas para quem quer que se anime a tomá-las
mas, se quando muito recebem um’esmola, fecham-se sôfregas a agarrá-la
e se abrem, incompreendidas, sem saber o que fazer de si mesmas
e se põem na cabeça

Um comentário:

  1. Gostaria de continuar lendo seu romance "Amorokê"!

    É possível??

    Sinto falta! =(

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