Sou velho, sim

Fui menino. E, menino, jovem. (Cuidado. Conclusões demasiado fáceis podem enganar.)
(Escute o que venho lhe dizendo há décadas. Temos de olhar este mundo em que nascemos e hoje vivemos como se não nos fosse natural. Temos de duvidar. De tudo. Dos outros. De mim. Se preciso for, estranhar. Se for preciso, nos deixar arrebatar pelo sonho de sermos arrebatados para um outro mundo em que o arrebatamento seja o mais natural dos fenômenos.)
Sim. Fui menino. E, menino, jovem. Mas nem menino bonito nem jovem "exuberante". (Peraí. Fui exuberante, sim. Duma exuberância tão resplandescente, que quem me olhava ficava ofuscado por alguns instantes e não se dava conta da minha exuberância.)
(Sei lá. Ainda penso às vezes que o esplendor ainda ocorre.)
(Okay, existem muitas, muitas pessoas invisíveis por aí. Mas minha invisibilidade tem, acho, uma razão outra.)
Mas muso?
Meu deus, nem sonhar.
Você acha que um muso, para ser muso, precisaria ser amado?
Se sim, então não.
Não fui. Nunca. Nem pensar.
Bem, sim. Posso ter sido amado.
Mas, se o fui, foi um amor assim meio hesitante. Até contra a vontade de quem me amou.
Se é que amou.
Se é que amou, compensou seu amor muito bem compensado com muita raiva quando as coisas não davam certo.
Se é que amou, compensou seu amor muito bem compensado amando outro só para provar a si e a mim e a sei lá quem mais que seu amor não era tão incondicional quanto eu pensava.
Quem me amou?
Boa pergunta.
Antes eu sabia. Hoje não sei mais.
Me parece que nunca mereci.
Sim. Por minha própria natureza.
Sim, a raiva por mim era muito fácil de justificar.
Uma, duas palavrinhas tortas e pronto.
Eu mesmo pescava na hora.
Acho que até nasci pronto para pescar as razões dos outros.
Me parecia e hoje me parece também tão natural.
                                               
Na verdade, sempre fui um patinho feio. Não só na aparência, mas também no comportamento. Aos 12, 13, 14 anos já estava exausto de ser enxovalhado, desprezado, debochado. Aos 12, 13, 14 já pressentia que meu destino não seria dos mais afáveis.
Hoje também procuro quem me aprecie sem a minha juventude. Embora nunca tenha sido jovem. Por um sem número de razões, passei direto da adolescência para a velhice. E tais razões são tantas e tão doloridas, que não me animo a entrar em detalhes.
Hoje sou tão velho, que, assombre-se, há quem me acuse de velho.
Repetindo, envelheci cedo.
Minha decrepitude, que aos meus 30 anos já estava adiantada, recrudesceu quando, aos 31, o mundo me deu algumas mostras do que ele é capaz.
Nessa idade, ingenuamente, acreditava que já vivera tudo que o mundo pudesse aprontar, veja só. Até que um dia, de repente, ele, mundo, em absurdo conluio com outros seres que o habitam, resolveram me mostrar que não era bem assim -- meu sofrimento estava apenas começando.
E, perto de todos meus padecimentos anteriores, seria, ó santa mãe, fichinha.

Então, durante alguns meses, convivi virtualmente com o diabo. Que me foi apresentado por uma das pessoas que o mundo pôs em meu caminho.
E durante meses fui escravo, servo, amante, empregado e capacho do senhor das trevas. Nesse período desci o máximo possível que um ser humano pode descer rumo ao desespero. Só fui salvo porque tinha dois filhos pequenos que não mereciam um pai suicida.
Hoje chamo todo esse episódio de "A dor". Sei que soa pateticamente romântico. Homens não românticos provavelmente não aceitariam o convivío com o diabo tal como aceitei.

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