Mina borgeana

Os pais com criancinhas que vejo pelas ruas são retardados. Conversam de igual para igual com seus pirralhos, tartamudeando o nenenês, mumunhando o bebenês, pantomimando a língua primeva e infantil a que, pensam eles, todos teríamos direito se pertencêssemos todos à fantástica classe média abastada e seu maravilhoso poder de compra.

Os petizes com seus papais e mamães que vejo pelas ruas são mesmerizados. No fundo de suas alminhas ainda não formadas (e que, a depender dos progenitores, nunca haverão de), recebem vagos, enevoados sinais de algo, alguém numa dimensão que não lhes pertence, procura – aparentemente desesperadamente – entabular comunicação. Como ainda não dominam a sofisticada técnica da mímica facial (que, ao transcorrer do tempo, aprenderão que se vai tornando mais e mais rudimentar e ineficaz e, adultos, renunciarão vez por todas a compreender os rumos tomados pela espécie que tenta a todo custo evoluir), os incautos pirralhinhos se limitam a esperar que o cosmos conforme para seus rostinhos máscaras minimamente humanas). (Renuncio aqui e agora à racionalidade com que procurei estruturar meus pensamentos desde o início deste texto. Renuncio como desde a primeira vez renunciei e não concedo a meus eventuais críticos autorização para denunciar meus fracassos.)

Eu mesmo, imagino, tive meus momentos de infante-máscara destituído de decanos ou padroeiros. Duvido que tal falta na infância não se reflita em meu severo cenho que hoje ostento ora orgulhoso, ora de justiceiro sem vítimas.

Avanço pela rua qual milhões de pirralhos que neste exato instante clamam mimeticamente que seus pais e mães larguem as fantasias de eternos namorados adolescentes e assumam como adultos a orientação e o ensinamento de seus filhos.

(Como temia, atingi um turning-point aqui. Que sei eu de pais, filhos ou do que quer que seja?)

(Esperar que a supergente devotada ao ahistórico hoje possa reagir? Somos oito bilhões de malucos à procura de acolhida e agasalho.)

Houve, um dia, um significado uno, uno e uno.

Ah, queridíssima, inalcançável senhora que comigo trocava olhares ora de mãe, ora de tótem da névoa, protegei-me de todos os olhares.

Tua sopa de macarrão e couve não me diz mais nada.

(Confessei de fato? Se me ensinaste algo, foi o pecado da confissão.)

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