Folgo em saber


Sy,

Neste mundo conturbado de vaidades, nesta vida retorcida de egos hipertrofiados (inclusive o meu) (o que é natural, diga-se; escrever, entre outras coisas, é tentar satisfazer a necessidade de reconhecimento), você tem sido uma verdadeira mãe pra mim. Não é todo dia que se pode ter contato direto com a insipiência etária.
Você e aquele rapaz nascido em Palmeira dos Índios e que tragava quatro maços por dia e zanzava pra cima e pra baixo cum chapéu igual ao do meu pai me ensinaram que a prolixidade vem da falta de sinceridade.
Prestes a botar o dedão na ferida, você se borra de medo, recua, rodeia, tergiversa.
Não, não estou te xingando nem julgando – só tentando transmitir o que aprendi a duras penas com a idade. Tem coisa que vem só com a idade. Tem coisa que vai só com a idade. (Por falar etc., foi o que houve com Drummond, é o que há com todos nós.)
A sinceridade na escrita é o mandamento no. 1. Todos os demais (quantos?) dependem dela. Por isso 93,26 porcento do que se escreve, da internet à academia, é lixo.
Por isso Rimbaud é gênio. Dezesseis primaveras e já galgava os píncaros da literatura francesa. A mais pura poesia sem praticamente nenhuma experiência de vida. Não é pra qualquer um.
Enquanto esses e outros ecos longínquos ricocheteiam em meus pensamentos, me lembro que é mais ou menos como associar Nietzsche e super-homem e como virou clichê e como a maioria não pestaneja em abusar deles. Tem gente que acha Nietzsche anti-semita, o que é simplesmente bobagem. Ele só foi usado para fins de propaganda por Adolf. Nietzsche era tão genial, que com o tempo um cipoal de mitos floresceu em torno dele. [...]
Para os não estudiosos da filosofia, o segredo é ler Nietzsche literariamente. Nietzsche, entre centenas de defeitos a que os medíocres se apegam quando não suportam a própria mediocridade, era extremamente vaidoso. Se dizia o maior escritor da língua alemã (e você pensa nos escritores alemães, Goethe incluso, e chirrisqueia, uau, não é pouca porcaria).
Saca só esta introdução a Sobre verdade e mentira no sentido extramoral:
Em algum rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza, congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer.  (Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho.)
Pois é.
Potente qual um coice, belo qual um relâmpago no breu da noite, definitivo qual um túmulo.
Moleque eu já tinha por projeto ler toda a Bíblia. Fiquei anos ciscando, levando o tijolaço na bolsa, lendo no trem rumando para a Estação da Luz (meu, que nome pruma estação; poesia, onde estás que não te encontro?).
Até que um dia li O anticristo. Bye-bye, Bíblia e outros monumentos do homem à mentira e à insensatez. Benzinho, vou querer aquele azulzinho e este Nietzsche básico.
Não sei se postagens minhas como esta causam espanto entre meus quase três leitores.
Se causam, acho um barato.
Se não causam, acho um barato.
Prefiro o escândalo. Escandalizar-se é tão... tão moralista, não lhe parece?
Ao passo que a indiferença é simplesmente o que sempre foi e o que sempre será. Coisas há neste universo que não têm conserto. Sorry.
Poetas se escandalizam? I don't think so. Tudo que é humano etc.
Ouço ecos de Shakespeare.
Como se atrevem? Quem são os hereges que conspurcam a imagem imaculada desse santo que tanto bem fez à literatura nacional?
Infelizmente para os moralistas, literatura, poesia incluso, tem pouco a ver com conceitos classe-média-deslumbrada que vicejam sob a ideologia do edificante. Na literatura, nada é sagrado. Você tem de ter autoridade, óbvio. Ninguém dará ouvidos a um primário exibido que só faz propalar a própria ignorância.
Drummond foi um poeta que um dia, ainda imaturo mas seguro do infernal poder que guardava algures na anti-hipérbole do coração, não dava a mínima à jactância calhorda dos explicadores da vida.

2 comentários: