Não me lembro se essa noite nos suicidamos


Não posso esquecer.
A vida ainda existe?
Ou é um presépio montado apenas para o meu Natal?
Na manjedoura, no maior berreiro, esse Rei Mago que faz que vem e nunca chega.
Porra.
Cadê aquela imensa interminável felicidade que a vida me prometeu?
Atenção. O Rei Mago vai te pegar!
Um rei-mago do mal, um descarado obsceno, um misto de homem e pesadelo, um ser animalesco que tem no lugar do coração uma monstruosa gana sem fundo pelos mais primitivos prazeres da carrrrrrrrne.
Abre o olho!
Guarda as pudendas, dissimula qualquer resquício de sensualidade, esconde direitinho as glândulas mamárias para que o abjeto não cuspa fora sua horrenda língua sepenteante e não te engula duma só lambida.
Não, não posso esquecer jamais.
O governo proibiu o povo de profanar reis-magos.
Sabia que reis-magos seguem estrelas?
Nos mundos deles está tudo predestinado, a estrela cadente cai exatamente em seu destino.
Taux enxarcado de uísque, de novo?, devo ter escrito um caminhão de bobagem aí encima.
Não vou nem ler.
Terei pronunciado palavrões?
Acho que não.
Sou gentil. Provavelmente disse de novo que sou frágil. Que sou romântico. Que sou obsessivo. Maníaco. Irracionalista.
Toda vez que fico bêbado digo essas coisas.
Mas é mentira.
Só quero enganar.
Sou mentiroso.
Posso fazer uma brincadeira?
Não, não posso.
Chega de brincar. Meus leitores são pessoas sérias.
Vou tomar uns quatro copos, redondos, gelados, inodoros e...
...esquecer e...
...desmaiar.
Posso fazer uma brincadeira?
Ai que vontade de brincar. Vou desmaiar e sonhar que estamos todos brincando de presépio.
É um presépio?
Vejo todo mundo transformado em estátua, voltado para o lado da manjedoura, no céu a estrela cadente que nunca cai.
Não, haverei de enxugar seis copos.
Brinco melhor bêbado acordado.
Quando durmo é horrível.
Não penso em e não gosto de ficar sem pensar em.
Será que daqui a dez anos ainda estarei obsessivo com estas minhas asneiras?
Se ainda estiver vivo?
Já pensou? Dio mio. Uau.
Não, estarei morto.
Meu fígado anda meio apodrecido.
E não sei se quero sobreviver mais 10 anos só pra ficar sonhando sonhos impossíveis de realizar.
Sou a maior preocupação da minha vida.
Não tenho outra razão por que viver.
Ocupo meus pensamentos de manhã à noite, da noite à manhã, no banheiro, no chuveiro, na mesa da sala tomando o café da manhã, no horário do almoço comendo na lanchonete, no carro voltando para casa.
Rei mago ago ago! Olha a estrela caindo!

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