Também sou filho de dieu



Um dos livros mais interessantes hoje deve ser l'euphorie perpétuelle, de um cabra francês chamado Pascal Bruckner. Digo “deve ser” porque não li. (Parei de ler pensadores franceses obscurantistas depois de uma overdose de Barthes na pós-adolescência que me deixou besta dando bofetada em pernilongo mitológico. Mas minha biruta cultural continua indicando de onde sopram os ventos.) Bruckner, segundo um artiguinho na imperturbável Folha de SP (li essa salada ideológica há algumas semanas e ecos esquizóides não me saem da cabeça) é romancista e filósofo “amador” (whatever... etc.). Diz lá pelas tantas que a felicidade é um conceito meio escorregadio e altamente subjetivo e por isso mesmo efêmero, possível apenas como resultado fugaz de gratificações igualmente morredouras. Cito: “A mesa virou um balcão de farmácia em que minuciosamente se pesam gorduras e calorias, se mastigam alimentos que hoje são apenas remédios. O vinho, bebe-se não por prazer, mas para tornas as artérias mais elásticas. O pão, come-se integral para acelerar o fluxo intestinal.”

Vivemos sob a obrigação da felicidade e os insuportáveis paradoxos que isso implica. Se a temos, receamos perdê-la e ficamos infelizes. Se não a temos, ficamos ainda mais infelizes porque, num mundo em que somos medidos por nossa capacidade de obtê-la ─ e só podemos obtê-la através dos signos do sucesso cultuados pela mídia, somos considerados fracassados e nos consideramos fracassados a nós mesmos.

Nos tornamos insustentavelmente vorazes. A tecnologia nos dá todos os meios para a gratificação física mas não para nos defendermos das conseqüências da impossibilidade da felicidade plena e absoluta. A bulimia é a nossa síndrome: nos empanturramos porque não sabemos mais quando parar e em seguida vomitamos tudo porque temos de nos enpanturrar de novo. Do vazio ao excesso: eis o nosso pêndulo.

O cinema e a tecnologia a preço de banana nos ensinaram a não suportar o sofrimento. Não é preciso. Há milhões de alternativas, subterfúgios e truques. Temos hoje a Medicina Fantástica. Vivemos o delírio dos médicos: a droga miraculosa que nos recoloca perpetuamente no equilíbrio perdido.

─ Veja, doutor! Engordei dois quilos numa semana! Que minhas amigas, colegas de ginástica, marido, amante, vizinhos vão pensar de mim? Me ajude, pelo amor de deus!

─ Não tem problema, dona Marta! Esta nova pílula, produzida com areia trazida de Plutão, vai solucionar o problema. E, de quebra, acabará com esses fios de cabelo branco. Tem um probleminha: faz nascer chifres depois de uma semana. Mas não é nada doutro mundo. Esta outra pílula aqui acaba com o efeito colateral da primeira. E esta, com o efeito colateral da segunda. E esta, com o efeito colateral...

O médico iletrado, ledor de bulas e relatórios de pesquisas com macacos distribuídas por laboratórios farmacêuticos americanos, sem cultura geral, executor de meia-dúzia de técnicas aprendidas a suor e lágrimas em cursos de medicina feitos nas coxas, elevado/rebaixado ao status de novo pajé com poder mágico, é o guru da classe média desnorteada e cabeça nas nuvens. 

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