Blogando 0004

Este Blogando 0004 começou a nascer quando, já de retorno do meu primeiro promenade matinal com minha cadelétrica Zezeí, estranho amálgama das raças chiuaua e dobberman (às vezes me pergunto a qual pertencia o pai, à primeira ou à segunda; e a mãe, jesus?), estando ambos a poucos passos do portão, escutamos um baque produzido por algo ou alguém com certamente uns 100 kg de massa corporal. Olhamos para a calçada do outro lado da rua e lá estava ele. Sim, fora alguém — um senhor de meia-idade e bigodes bastos e pretos que acabara de tropeçar no monturo de folhas secas e lixo que há meses se acumula ubiquamente nesta cidade imunda, se estatelando no chão. Quando eu e Zezeí nos voltamos para o ponto de origem do baque, o sujeito já nos fitava com aquele estranho interesse com que os caídos em logradouros públicos olham em volta para ver se sua patética queda tivera testemunhas. Bem, para infelicidade do nosso desastrado bigodudo, sim — o incidente fora presenciado por uma chiuaua dobbermaniana e por este que ora vos fala. Tal como ocorre com todos os que desabam de alegres, o sujeito estava mais preocupado com o vexame que acabara de patrocinar do que com os possíveis machucados causados pelo tombo. Sei como é. E sei que vocês aí fora também sabem como é. Por que será que esse tipo de acidente (okay, para Freud e alguns de seus prosélitos mais fanáticos acidentes desse tipo são não acidentes e sim atos falhos, ou seja, eventos brotados lá do fundo do nosso inconsciente provocados por uma causa, embora neurótica, bem definida e identificável, no que eu, obviamente, discordo do genial judeu austríaco com toda a veemência que meus parcos conhecimentos psicanalíticos me facultam. O último tombo que levei — e foi um daqueles que a gente jamais esquece — ocorreu no quintal aqui de casa e teve como agente primário uma flor de hibisco úmida que candidamente tomava sol bem no meio da passagem que leva da casa ao escritório. Quem já pisou numa flor de hibisco úmida sabe que uma flor de hibisco úmida exuda uma gosma altamente viscosa que faz duma flor de hibisco úmida altamente viscosa uma arma muito mais perigosa que uma casca de banana, não guardando, portanto, relação alguma com qualquer neurose insondável pulsando clandestinamente em meu inconsciente), bem, perguntava eu, por que será que esse tipo de acidente nos deixa tão constrangidos assim? Afinal, acidentes são acidentes (sorry, Sigmund) e praticamente todos os que saímos da cama cedo de manhã por qualquer motivo nos acidentamos, ora mais, ora menos seriamente. Mas, se me permitem a imodéstia, tenho cá para mim uma teoria, qual seja: a razão por que nos constrangemos em tais situações é exatamente a mesma que nos leva a cair na gargalhada quando alguém capota feito um pateta bem diante dos nossos olhos. Sobretudo se o tal alguém for um adulto e tal adulto um sujeito de meia-idade de bastos bigodes negros. Não, peço que não tirem conclusões infundadas. Não, não caí na gargalhada. Apenas franzi bem a testa e premi bem os lábios para que o pobre homem pudesse averiguar minha preocupação. E enquanto ele se erguia, sem saber se mantinha o olhar em mim, nos próprios cotovelos ou no local da queda à procura do que provocara o tropeção, eu, ainda com o cenho franzido e a boca espremida, comecei a fazer que sim, sim, sim (ou a assentir, como gostam de escrever os tradutores de romances em língua inglesa) para enfatizar minha solidariedade. Como se ainda fosse pouco, ouvi minha voz sonolenta perguntar "Machucou?" Aparentemente sem me escutar ou puto demais da conta para responder, o bigodudo retomou seu caminho batendo as mãos nas calças. Meus olhos se voltaram para Zezeí, que procurava um matinho na calçada para uma mijadinha saideira. Eram sete e meia da manhã, ainda faltavam três horas e meia para o meu primeiro gole. Sim, me comprometi comigo mesmo a beber só depois das onze. Jesus, por que temos essa mania de assumir compromissos que sabemos ser incapazes de cumprir? Que é que vou ficar fazendo até lá?

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