Blogando 0012


Manhã de domingo. Domingo de manhã. O vizinho liga sua chaleira barulhenta e acelera fundo, mostrando que acordou e nos quer acordados. Não tem grana para trocar o escapamento. Os vizinhos, todos, vivem para seus carros. Trabalham para e se deixaram escravizar por. Exceto o da frente, que não tem. Fico imaginando por quê. Meio que me encafifa, na medida em que me permito me encafifar por outros. As pessoas são tão planas e lineares. Se vestem do mesmo jeito, riem do mesmo jeito, falam as mesmas coisas do mesmo jeito. Estão satisfeitas com o que lhes coube. Inclusive o da frente. Esse fez um jardim onde era a garagem. Do qual um jardineiro cuida periodicamente. É esmerado. Usa roupinhas que parecem ser de grife e deve fazer academia, se vê pelo físico modelado. O esmero também se mostra em sua casinha. De todas, é a única que tem personalidade. Eu também gostaria. Eu também gostaria que a minha também tivesse se tivesse paciência para esse tipo de coisa. Será que sou igual a todo mundo? Em parte, talvez. Não me visto do mesmo jeito, não rio do mesmo jeito nem falo as mesmas coisas do mesmo jeito. Mais por injunção que por opção. Mas é domingo de manhã, manhã de domingo, e não vou filosofar. Nem cair nas minhas velhas digressões. Hoje quero um pouco de controle. Vou tentar manter um pouco de controle. Controle me faz mal. As doenças de que padeço, cada uma delas, e são tantas, as devo ao controle e à minha inépcia a ter controle e à minha ojeriza a controlar e a ser controlado. I'm easy like a Sunday morning. Nove horas. Cinquenta anos atrás estava passando pela grande porta da matriz com papai, mamãe e a mana. Que delícia. De volta à liberdade e ao livre arbítrio depois de uma hora sob o mais cruel, o mais nauseabundo controle católico. Dali rumávamos para a casa de vovó, a apenas um quarteirão e meio, onde toda a família se reunia para o almoço dominical. Vizinha à casa havia uma igreja protestante em cujos cultos tocavam o dia inteiro um órgão mortalmente entediante e que tinha aparência muito mais sóbria que a nossa matriz carregada de imagens e rapapés estilísticos. Dentro da casa, um bando de gente rabugenta e ruidosa, especialistas em fungar e resmungar, sempre torcendo e retorcendo seus nasones carcamanos e ranhetando em suas vozinhas irritadiças e seus vozeirões sonolentos de nenês chorões. A maior concentração de neurastênicos do Estado de SP. Era um choque insentido, do qual vim a ter consciência só anos depois, na barafunda da adolescência, me deixando no fundo da garganta esse sabor amargo de herdade amaldiçoada. Será que o Lula também sente isso? O candidato do Lula está levando Sampa hoje. Horror. Fim do mundo. Fim da picada. The end my friend. Quero ir embora deste país. Deste país de amorais aproveitadores e vagabundos sempre à espera de que seu pão caia do céu direto na cesta para não terem sequer o trabalho de se abaixar para recolhê-lo ô. O gayzinho está fechando a porta para mais uma de suas saídas misteriosas. Que gayzinho? O vizinho esmerado. Qual é o diminutivo de vizinho? O vizinho gayzinho nunca recebe ninguém, nunca o vi acompanhado. Aparentemente não tem amigos e, se tiver parentes, nunca o visitam. E parece não ter namorado tampouco. Um vizinho esmerado solitário. Um vizinho esmerado solitário discreto. Quando estou saindo com Zezeí e damos de cruzar na calçada, ele me saúda cum aceno seco da cabeça. Seco mas não hostil. Existe até um sorrisinho acolhedor no rostinho infantil. O meu, sim, é. Pois sou. Sei que não dá pra notar. Os vizinhos notam, porém. Não sei se me regozijo ou deploro. Ora um, ora outro, dependendo do meu estado mental. Que é extremamente volátil. Sei que não dá pra notar. Quando escrevo sou capaz de filtrar minhas idiossincrasias para que minha escrita se fundamente em parâmetros e critérios outros. Não, não pensem que é tudo invenção. Os vizinhos pelo menos não. O calor africano está voltando. Preciso botar umas cortinas brancas na janela e tentar amenizar este crematório. Joguem minhas cinzas no rio dos Meninos. Para que se juntem ao caldo negro de estrume, fezes e querosene e se depositem no fundo do leito, um bom lugar para meu descanso eterno. Agora tenho de ir até a rotisserie do italiano ver se sobrou carne assada. Senão, vai frango atropelado mesmo. Que seria da humanidade sem frango? Christ, que foda ser duro. Sai um frango pro durango. Outro pro durango aqui. Mais um pro durango ali. Tem carcamano demais nesta cidade. Leio no blog da família que nono e nona desembarcaram do vapor Regina Margueritta que aportou em Santos no trágico mês de fevereiro do catastrófico ano de 1897 e de lá puxaram o carro para a infeliz Espírito Santo do Pinhal no lúgubre interior do Estado. Longe pacas de Las Vegas, a cidade civilizada mais próxima. O nono e a nona do italiano do frango idem. Coitado. A esta hora podia estar feliz da vida em Nova York gerindo o tráfico de crack e o aluguel de putas. Eu provavelmente estaria fazendo o mesmo que faço aqui, i.e., espiando a vizinhança e matutando o que escrever, seduzido pelo meu fiel copo de balla na mão e hipnotizado pela garrafa sempre ao alcance dos olhos. Como todo escritor alcoólatra, nutro a conveniente fantasia de que escrevo melhor alcoolizado. Atualmente não me atrevo nem a almejar a escrever melhor mas a simplesmente escrever. Estou num dos meus malditos interregnos criativos. Bebendo como nunca pra ver se a inspiração volta. Sei, objetivamente, que só piora. Pelo menos é um bom motivo. Para ambos: beber e escrever. Carcamano, lá vamos nós. Zezeí vai direto para o pé da máquina de assar e ficará lambendo o chão em torno, respingado de gordura. Foi aqui em frente outro dia que uma cadela pitbull pegou outra, viralata, que estava presa na guia por seu dono, e só não a matou porque este humilde blogueiro agarrou a agressora pelas patas traseiras, chacoalhando-a-a até que largasse a pobrezinha da vítima, que, ainda mais, era cega. Até que foi legal escrever nesta manhã de domingo. Domingo em geral vou derivando macambúzio rumo à noite, do que só uma garrafa novinha em folha de balla me salva. Voltarei a experimentar. Queria escrever mais, o dever me chama mas. Nem sempre escrever diverte. Tô meio sem grana. Preciso arrumar um jeito de ganhar dinheiro. Se não fosse vasectomisado tentaria levantar uns trocados num banco de esperma. Quanto será que pagam a dose? Será que testam à procura de vasectomia? A ideia, sim, me diverte. Deixar minhas neuroses, que não são nada softs, sei que não dá pra notar, para um desconhecido por aí, pobre diabo, não tendo um pai em quem descontar a raiva de ter nascido. Qualquer hora vou até a praia com uns três litros de balla, alugo um barquinho e me mando pr'alto mar. É uma promessa. É um plano. Percebi nos últimos dias que há alguém traduzindo este meu humílimo blog para o inglês através do Google Translator. Só pode ser a Camille Paglia. Pelo menos aqui ela não haverá de encontrar motivos para descer o malho em blogueiros que não sabem escrever, como sempre faz. Ô língua maldita. Este é pra você, carcamana. Em Blogando 0013 vou contar como fui salvo do assédio dum homossexual quando estava parado na esquina olhando o trânsito passar e vou explicar, ou tentar, a calamidade que este calor desumano provoca nas mulheres desta cidade esquecida por deus e desprezada pelo diabo. Falarei ainda do cartaz de "procura-se" colado num poste com uma foto minha. E por que passear nesta cidade é mais difícil que baiano ter enfarte.

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