Escutando I am the walrus. Não escuto há uns... ãn... doze anos? Notou a
interrogação? Sou eu falando igualzinho os ianques em seus filminhos do reino
encantado. Os ianques do reino encantado onde hambúrgueres com coca-cola nascem
na beira da calçada e crescem ao pé das árvores falam assim afirmando
perguntando. Cada língua tem suas peculiaridades, a deles é essa, uma das. Sempre tão assertivos, não pronunciam assertivamente. Outro dia revi
aquele... peraí, vou lembrar... o título original é Carnage... ah, Deus da
carnificina, com Kate Winslet, Christoph Waltz, Jodie Foster e John C.
Reilly. Todos eles nos acostumaram a vê-los em thrillers e bang-bangs. Dirigidos
por um dos maiores diretores vivos, o tal Polanski. Winslet me decepcionou, pensei
que fosse bem mais capaz, não chegou nem na metade. Foster, o previsível,
barulhenta, ranheta, histérica, certo, características exigidas pelo
personagem, mas deu pra ver que era ela atrás da pose, uma no meio das
dezenas de milhares de atores chinfrins saídos da tela. Reilly também
decepcionante, só funciona em thrillers que não requerem profundidade dramática
ou será mesmo todo aquele pateta mostrado por P.? Deixei Waltz por último,
claro, por ser o melhor. Apesar de falar inglês bem pacas, Waltz se denuncia na sonoridade. Não fala perguntando como os nativos. O alemão por trás dos enunciados é claramente perceptível. Ninguém é capaz de falar outro idioma que não seja o seu como um nativo. Escrever, há os que escrevem até melhor, qual Nabokov e Conrad. Apesar dos pesares, os europeus ainda logram um poder
magnético que não vejo em nenhum ator americano. Hollywood tem seu preço. A
glamurização idem. E a bastardização. E as montanhas de grana. Há cacoetes de
que os caras não se livram numa boa. Há muito tempo cheguei a ver algo
substancial em... como chama mesmo...? ...aquela loirona nariguda...
considerada a maior atriz do pedaço... Ah, Meryl Strip, cheguei a ver algo em
Meryl. Quer dizer, I mean, você fica viciado em alguma coisa e acaba se
envergando. Assisto uma cacetada de thrillers mas nada que me desvirtue meu
poderosíssimo poder crítico. Eis a essência da alma americana. Cinema é
entretenimento, period, não venham com frescuras. Para quem quer frescuras,
eles têm a melhor poesia contemporânea. Os americanófobos nem imaginam, claro.
Ninguém supera a literatura dos caras. E não é de hoje. Vêm prevalecendo há
pelo menos seis décadas. Sim, tem a ver com a democracia, a liberdade, o
hambúrguer com fritas ao alcance da mão, a geleia geral, o cinema como
sublimação do cotidiano. Entrementes, nosso cineminha macunaímico vai de Globo
e seu Jabor, sempre tão emperiquitado em suas crônicas, faz boca de siri. Eis
uma das razões do nosso eterno pequenismo. Os ianques não têm vacas sagradas.
Tudo é criticável. Não há tabus que não estejam sujeitos a uma boa sessão de
esculacho, sem que a plateia desmaie escandalizada como sói ocorrer na mãe
gentil. É tudo questão de mercado. Os há para todos os gostos. Na vitrine você
pode encontrar desde T.S. Eliot até Oprah Winfrey. E sempre os recordistas em
todas as searas, de um dos maiores poetas-críticos do século 20 à negra mais
nababescamente triliardária da história. Na área que me interessa, eles têm mil
bons poetas para cada chinfrim nosso. Nos romances, dá até vergonha contar. Na
ciência, finjamos que não estamos aqui. Oui madame, tudo fruto da liberdade sem
fim, da liberdade sem limites nem qualificativos. O americanozinho médio
aprende cedinho a ser homem/mulher responsável pelas próprias opiniões e pelos
próprios atos. Não olha em volta à procura dum bode expiatório quando depara
cum dedo acusador na fuça. A energia de vida que brota desse preceito é, sem
exagero, fenomenal. Não há nada que seja mais revolucionário. O indivíduo se
encarrega da faxina. Aprende cedo a aplicar um olhar saneador sobre a realidade.
Se eu não fizer, ninguém fará. Se eu não cuidar de mim, ninguém cuidará. Não há
política assistencialista dos obamas da vida que substitua o empuxo oxigenante que nasce dessa postura vital. Bolsas-esmola até que podem ser
necessárias por uns tempos, mas. Salvante a propaganda ufanista dos desgovernos
lulopetistas que se proclamam salvacionistas, escuto aqui e ali comentários à
boca pequena sobre como essas bolsas e esses vale isso e vale aquilo estão solapando a já débil força de vontade do nosso povão varonil. Dizem que
as meninas passaram a parir mais depressa para entrar no bolsa-família e os
marmanjos a beber mais cachaça, abastecidos pela nova fonte de renda. Mas esse
papo é de somenos frente ao descarrego da liberdade. Queria ver Chico Buarque
vivendo em Cuba se sujeitando às mesmas normas políticas que o cubano comum,
proibido de dizer o que pensa sobre o que quer que seja onde quer que seja
quando quer que seja, obrigado dia após dia a engolir as bobagens pueris
estampadas no Granma, amputado dos acontecimentos do mundo, castrado de sua
expressão artística. Não duraria uma semana, naturalmente. Escutando I am the
walrus. Não escuto há uns... ãn... doze anos? Notou a interrogação? Sou eu
falando igualzinho os ianques em seus filminhos do reino encantado. I am he as you are he as you are me and we are all together… See how they fly… I'm
crying. Quando escutei a primeira vez quase levantei do sofá pensando, porra, o
cara tá falando de mim! I'm crying! I'm crying porque eu sou ele e você é ele e
você é eu e nós somos tudo junto, hoje entendo, na época escrevi nós somos
todos juntos, bruta diferença, hoje entendo, o ele e o você que sou não é ele
ou o você e sim os eus que todos somos, jesus! e imaginar que se passaram
décadas com o mundo todo tentando me convencer de que deveria ser de outra
forma e eu seria inviável se não fosse e inviável sou e inviável a ser
continuarei, a seu dispor, madame, ah as delícias da infinita liberdade de ser
o que sempre quis ser e dizer o que sempre quis dizer, não, não é fácil como
soa, você sabe, o bom da liberdade é que não há fórmulas, não se aprende na escola
nem em seminários, só se é sendo, jesus, depois dessa só me resta continuar
escutando sou a baleia enquanto sorvo minha própria vida no golinhos do meu
uisquinho que nem balla mais é e I don't care.
Belíssimo Wil! Você já se superou num texto anterior.Nesse você simplesmente extrapolou.Vamos ver o próximo como será
ResponderExcluirAinda, os filmecos brasileiros, insistem na mesma tecla, por incrível que pareça: roteiros repetitivos alienadores contra a ditadura militar.Óbvio que forçando a platéia voltar ao imorredouro passado e com grande carga de emoção,apaga os desmandos do presente dos olhos tupiniquins. Acredita que acontece isso nas universidades?
Continue poeta !
Obrigado, "Rutinha"
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