Atestado de loucura

Caí mais ou menos sem querer em Paranoid, Black Sabbath, no YouTube. Não é aterrissagem fácil. Assisti querendo sair. Certo Shakespeare também é assim.

Comprei o "LP" quando lançado nos anos 1970, moleque imberbe. Mudei pacas dum lado, não mudei nada do outro. Sei.

Paranoid é uma peça definitiva. Tanto quanto a Sonata ao luar, de Beethoven. "Ilustra" uma época. Representa uma cultura, sintetiza o modo de vida duma geração, ou várias.

O coitado que canta, de cujo nome não me lembro, é, visivelmente, doente. O move a imensa grana que ganha por cada show. Está se lixando para o paradoxo entre os versos que grunhe feito um lince enjaulado e a figura mercadológica que atrai milhões de deserdados e órfãos culturais e afetivos a cada apresentação. Eles, todos, precisam berrar a plenos pulmões e mais à surdez para não escutarem a própria mentira que vivem e propalam e que nunca cansa de latejar dolorida dentro de seus coraçõeszinhos fadados à infelicidade. Se proclamam revoltados contra o sistema mas fingem não saber que a única revolta lógica seria contra a vida. Não se atrevem a tamanha temeridade. O protagonista tem de faturar, seu público tem de curtir. Não será a vida que haverá de impedi-los.

O YouTube é colossal. Assustador. Nos diz em trilhões de clips o que qualquer grande escritor, o que qualquer grande poeta já nos disse mas, teimosos que somos, nos recusamos a escutar e aprender. Nunca houve tão devastadora ameaça contra a palavra. E, você sabe, you know, se nos desfizermos da palavra, nos restará o quê? Sei.

O rock parece ser tudo que Kafka temia e não encontrou palavras nem parábolas para nos ensinar.

O mundo é um hospício.