As onze badaladas da torre de São Bento

Zé era um reles cachaceiro. Reles, sim, mas perdido de amores por Zinha. Tão perdido, que um dia sentiu algo que nunca sentira antes e empalideceu e teve tremedeira e ficou zonzo e de pernas moles e arrotou, além de outras manifestações fisiológicas menos nobres e dispensáveis.

Em seu surto, pegou uma maço de folhas e uma caneta e desembestou a garatujar, embora fosse um pinguço vagabundo que em sua confusão mental confundia espasmos etílicos com poesia.

Assim que preencheu folhas e mais folhas dos mais loucos versos, limpou a gosma que lhe escorria pela barba e desmaiou. Ao acordar, não sabia onde estava nem que dia era nem seu próprio nome nem o número de sua carteira de reservista. Mas sabia, sabia com toda certeza, que tinha escrito o maior poema de todos os tempos.

Foi olhar na mesa da cozinha, cadê? As folhas tinham sumido. Ah, tentou se tranquilizar, devo ter guardado na gaveta do guarda-comida.

Foi lá: nada.

Zé se pôs a procurar afoito em cada canto. O poema evaporou como se fora manguaça do mais alto teor de pureza! ganiu o desesperado e esquecido pau-d'água. Então foi tomado da mais funda angústia que já enegreceu a alma dum homem e caiu no meio da sala mortinho-pereira-da-silva.

Horas depois sua tia passou em sua casa pra pedir uns tomates emprestados como fazia todos os dias quando ia chegando a hora do almoço e deu com o miserável já em rigor mortis. Na mesinha de centro-esquerda tia Nilcéia avistou um maço de folhas e foi assuntar, bisbilhoteira que era. A primeira folha trazia escrito uma só frase na letrinha miúda de fêmea no cio de seu sobrinho Zé: "O poema perdido". As demais folhas estavam em branco.

"Ai que lindinho!" Nilcéia exclamou. (Ou acho que exclamou, não estou certo se a Nilcéia era dada a esse tipo de faniquito. E a esta altura do dia e com esta garrafa vazia à minha frente, não estou nem jamais estarei certo do que quer que seja.)

(
Quero hibernar no meu poço de areia movediça. No meu quarto de bonecos fantasiados de bonecos. No meu blog, na minha rua, no meu copo e na minha xícara de café. No meu saco de dores fingidas. No meu bunker antiteorias-a-pensamentos-aéreos.
)

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