Vou tentar calibrar o tom
de voz à medida que escrever. Não me sinto corretamente escrevendo assim de improviso.
Nos bons tempos — vou tentar não abrir subperíodos e parênteses (vou tentar mas
sei que não vou conseguir) — cansei de explicações (cansei de tudo mas
principalmente delas) — cansei de ser nostálgico sobre os tempos em que me
contentava — ou fingia que — em explicar o que hoje vejo que não requer
explicação pois hoje sei que não há mistérios — fechava os olhos e me entregava aos sonhos — nos bons tempos (como se tivesse tido tempos bons — quais foram?
estou condenado a remedar as porcarias que deixei que me enfiassem na cabeça e
que custei até aqui a me dar conta, à minha própria revelia, que não são e nunca
foram pensamentos meus e que há décadas me iludiam para me sentir meio dono de
mim mesmo, — nos bons tempos ainda era capaz de parar no meio da praia e,
contemplando o mar e as ondas, me deixar conduzir por tolas especulações
metafísicas. Olho agora naturalmente para trás — até ontem olhar para trás me
parecia tão natural, hoje passo meus dias pensando como é que fui me deixar
seduzir pelos meus próprios olhares — e, como todo homem desencantado pelo
amadurecimento, me admiro que tenha havido um dia em minha vida em que fui
capaz de me encantar pelo que quer que tenha sido.
A primeira vez que a vi foi
em outubro de 1968. Estávamos descendo a escada quando ela passou, também
descendo, em seu biquíni branco. (Estou em dúvida se devo expor este episódio.
É um dos muitos que trago comigo um dia após o outro qual relíquias. Okay, vou expor.
Mas não tudo. Não quero perder aquela última imagem que tenho dela.) Os cabelos
castanhos claros (bem, não propriamente castanhos; o mais correto seria dizer
que tinham grandes mechas variegadas de meio-tons quase loiros) esvoaçavam ao
vento (sei que esvoaçar ao vento é uma imagem irrecorrivelmente batida, mas era
assim mesmo que os cabelos de mechas dela faziam à medida que ela descia a escada
para sair do prédio rumo ao mar).
Na época começava a trilhar
determinadamente meu caminho para meu previsível fim, acompanhado indefectivelmente
por um ímpeto de detonar tudo do qual nunca me livrei e que noites adentro e
manhãs afora me forçava à eterna busca do inencontrável, sempre prometendo
a mim mesmo que seria a última e algo ou alguém dentro de mim consentia calado
como se tudo que importasse era estar aqui dentro até invariavelmente passar a noite em claro até a luz do sol filtrada pelas nuvens balofas que tudo prometem e nada cumprem espargir sobre a cidade uma névoa doentia na manhã vazia numa vigília inútil em que meu sancho-pança interno se recusa a me levar de volta à minha origem na praia onde minha
vida de fato começou.
Aquele verão foi a
última vez que a vi como sonhava ver. Depois só pude vê-la em instantâneos que mesmo surrados nunca me forçarão a esquecer o biquíni branco.
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