A princesa do poema

Quando desço
Pela rua vou descendo
Cabisbaixo
Do meu jeito predileto
Sem minhocas na cabeça
Como o treino me ensinou
Nem reflexos na mi'a cara
Por questão de abulia
De repente
Uma surpresa
Essa dona vem
Subindo e
Como era de esperar
Desancora-me de mim
Pregando em suas coxas
Em seus seios
Em seus lábios
Meu olhar
Não é uma dona assim sem mais nem menos. Mais que mulher, uma fada; mais que fada, a mãe que eu buscava; se me quisesse, a desposava; se me aceitasse na cama, me daria a filha que não tive.
Michelangelo renunciaria à escultura se visse essas pernas.
As minhas ficam pesadas, não posso, vai dar na vista. Tenho nojo desses sujeitos olhudos que giram o pescoço para apreciar pelos fundos o balanceio hipnótico duma fêmea.
Ela vai passando, prendo a respiração. Não quero aspirar seu perfume. Se não for perfumada, pior. Não posso cheirar a secreção primitiva de suas glândulas.
No meu mundo 
De repentes
De repente
El’ergue a saia
El’abaixa a calcinha
Fica de cócoras e
Apreciando o trânsito
À sua frente
Obra um monte bem
No meio da calçada
E s’ergue e s’arruma
E s’apruma
E segue rua acima
Primeiro pensei em dar a este poema o título O poema da cagona. Outra alternativa que ponderei foi O poema da princesa.
Então me ocorreu que preciso lavar a cortina do quarto. E também dar uma satisfação às comadres da frente que vivem se perguntando por que nunca saio de casa.
O problema do Brasil é que, no vernáculo, Jesus rima com cruz.



Nenhum comentário:

Postar um comentário