First of the Year

Mais um ano se passou sem que eu tenha entendido, a diferença é que antes não dava bola, este ano resolvi registrar, por quê? Nem imagino. Antes simplesmente pensava fôdasse, hoje tentei, não consegui. Quem dera fosse sempre assim daqui em diante.
Sabe o que queria de verdade? Parar de fingir que entendo o que não entendo, duma vez por todas. Talvez estivesse aí uma das minhas saídas, provocar uma revolução radical em meus princípios que causasse uma mudança violenta e definitiva em meus pensamentos que me desse pelo menos o alento, momentâneo que fosse, de que não viverei sob este meu tédio mortal até meu último dia nesta merda de planeta-lixão da Via Láctea.
Quem sabe obtivesse resposta a uma das poucas perguntas que me tiram da minha abulia: pra que serve este mundo imundo em que o bardo de Stratford virou marca de desodorante?
Os símbolos já não têm importância, há décadas deixei de ver a possível graça nos signos. Shakespeare é o gugu-u-u-u elucidando a verdade na tarde de domingo, o flanelinha com cara de Otelo te escorchando 50 pilas pra olhar teu carro, Bloom espichando os dentões na propaganda do Colgate. Bill deixou de resistir. Que descomunal vazio este que se abate sobre os coiós desta era emoldurada por imagens destituídas do mais ínfimo nexo consumidas com a avidez dum abutre esfomeado por bichinhos perdidos clicando sem parar na máquina de triturar humanos chamada facebook. Até há pouco ainda restava algum encanto. Que será feito de nós em 2070, se Shakespeare pode ser apenas mais uma marca de tônico capilar, “Novo Bill, o único xampu capaz de restaurar a linda cabeleira de sua juventude perdida”?
Aos 14 anos já não acreditava em nada e não entendia nada tanto quanto não entendo hoje e escrevi:

Em mais um dia sem sentir o momento presente
Falei do mundo e da vida, do espaço e das pessoas
Procurei o perdido, ingeri o alimento
Amanhã viverei o presente momento
De trabalho nas mãos e luta na cidade

O diário transitório, a testa franzida, o esforço do Hesse, a vigília nos velórios e hospitais, meu amor que não voltou, me legando um coração que abdicou de sentir
Meus amigos partiram
Meu recato morreu
Minha imaginação me sequestrou

Se um dia souberes que desertei, chora por mim
Se notares que capitulei, chora por ti – não será ilusão
Corre para os que têm os braços abertos
Foge dos meus artifícios
Rejeita a infelicidade que lhe deixei
Deixa que eu sucumba só

Esmago o rosto em teu seio
Olho teu rosto, vejo teu amor
Não luta mais minhas lutas
Deixa a dor me tocar, me tomar, me levar
Me sentir


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