Se olha no espelho. Vê essa
bruta cara de invejoso. De idiota. Sofredor. Sofrimento imensurável.
Vai ao hospital para morrer. Está preparado.
Está conformado. Até aceitou. Miraculosamente melhora.
Volta para casa. Não se conforma
A menina não quer assistir tevê, decidem
levar ela ao médico. Qual é seu problema, pergunta o doutor, quase saindo do
seriado que passa na tela e se juntando a eles no sofá da sala.
Se deita. Não é cedo, não é tarde. Sonha
antes de dormir. A bolsa estoura. Está para nascer. Vai se aproximando da
vagina de sua mãe. Escuta vozes. Uma, reconhece, é de seu pai.
Amanhã vai ganhar na loteria e não vai dizer
nada a ninguém, nem a Eunice nem ao filho. Vai sair com a vira-lata Duquesa
como sempre faz e vai voltar e se jogar no sofá e apanhar o controle e ligar na
Globo e fechar os olhos como faz todo dia fingindo dormir e ficar imaginando,
guardando a imaginação só pra si como sempre fez.
Se ganhar, vai arrumar um mundo interior vasto,
infindável e sedutor, que o leve a uma traiçoeira viagem para dentro para explorar países que ofereçam novos mistérios e paisagens. Está
exausto de seu mundo de homem plano, opaco, unidimensional,
incolor. E quando chover gelo vai correndo pegar seu copo de uísque
Acorda.
Estão todos na sala vendo tevê.
Desce a escada e começa a se despedir.
– Já vai assim tão cedo?
– Preciso me matar.
– Pensou direito?
– Pensei. Boa noite, então.
Sobe, se esconde e grita
Sem disparar o coração
Nem se afligir
Não sabe como continuar irreconhecido
Indescoberto
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