Da série "Novos contos para crianças", IV

O autor, um safado de padastro e mãe, tem certeza de que o amiguinho leitor e leitora maviosa querem continuar a ler nossa linda série de relatos nada inócuos para crianças, que bolamos só pra escarafunchar as sujeirinhas mais recônditas que o leitor bobinho e a futura pistoleirinha cultivam bem lá no fundo de suas alminhas demoníacas.
Nosso personagem fofucho de hoje atende pelo sonoro nome de Joãozinho.
Como todos sabem, Joãozinho morava num bairro nobre de Sampéia. Era filho único, embora nem a nobreza do bairro nem a unicidade da filiação exercessem qualquer influência na fraterna e generosa visão que o moleque tinha do mundo, naturalmente.
Apesar do bairro etc. e do pedigree tal, o bestinha nunca estava lá muito bem com a vida. (E se você, leitor confusinho e tontinha leitora, não gosta de quem nunca está lá muito bem com a vida, tem um monte assim de blogs por aí com leituras mais edificantes. (Tudo bem, qualquer leitura é mais edificante que esta, hehehe.) Alguns até estrelam receitas de de bolinhos de chuva e, de quebra, de como ser feliz.)
Nosso desassombrado Joãozinho era tão fraterno e generoso, que bastava ver um garoto de rua esfomeado na esquina e pimba! se punha a choramingar, Manhêêêêêê, quelo um desses pla blincá.
(Outrossim, sabe-se que esses garotos de rua não têm o mínimo patriotismo. Alguns chegam até a falar mal do Brasil e o nosso capetinha mimado jamais admitiria que um de seus brinquedos fosse impatriótico.)
— Buá! Buá! Quelo um meninin de lua, mamã!
Ao que a mãe, com toda justiça, lhe tacava uma tremenda duma, uma sonora duma bofetada no meio fuça:
— Não gosto que me chame de mamã! Coisa mais boiola, seu! E já disse! Onde iríamos botar um molecote desses? Só se fosse no fundo da piscina! —  Assim dizendo, a santa esbaforiu uma de suas gargalhadas de hiena, a que finalizou ao molde dos nossos sensíveis patrícios da facebook: — Rá he rá he rá he!
O guri insaciável engoliu em seco, glup! e deixou quieto.
Sendo um sacana de pai a mais não poder, um dia voltando da escola o trogloditinha não resistiu. Quando um dos garotos de rua o abordou para pedir esmola, o nobrezinho herdeirozinho catou o miserável pela mão e o puxou para dentro da limusine, comandando:
— Vem cá, meninin!
— Mamã não vai gostar nada-nada-nada! — admoestou o chofer, franzindo os sobrolhos.
— Mamã é o caraio, seu boiola encalacrado, bicha esclerosada, cria duma ratazana manca! Mete esse pé de tartaruga senil na tábua! — Sim, nosso intrépido mimozinho era o epítome da fidalguia nacional.
Chegando em casa, Joãozinho levou às escondidas seu mais recente brinquedinho para o quarto, ligou a tevê e recomendou:
— Garotin, fica aí vendo o Ratin que vou lá na cozinha pegá umas guloseima procê comê. Voncê tá pareceno uma cavera, rapá!
E lá se foi nosso pequeno anfitriãozinho, que alguns minutos depois voltou cuma batelada dos mais deliciosos quitutes para seu novo mascotin: centenas de danoninhos, dezenas de centenas de pacotinhos de salgadinho imitação bêico, centenas de dezenas de saquinhos de salgadinho imitação quejo-de-cavalo, oito travessas de Sauerkraut, que papá e mamã tinham trazido da Itália quando foram ao Canadá ano passado, quinze caçarola(s) de mingau de tornozelo de capivara, oitenta e nove litro(s) de coke zero, quinze barril de chope e vinte e nove latas de cola à base de tinner.
Assim que botou os zoio no banquete, Garotin, que nunca tinha comido lhufas na vida (e olha que já estava com quase cinquenta e dois anos e meio), atirou-se sofregamente ao pantagruélico tesouro dum salto sem vara e passou a noite roendo, deglutindo e fungando à farta.
Na manhã seguinte, bidu. Garotin tinha virado um baita dum garotão estufado de proteína, entupido de revolta, sobrecarregado de sede de vingança. Catou nosso lindo heroizinho Joãozinho e lhe passou o cabo do rodo, botando-lhe as tripas para fora e o fígado pela boca. Ato contínuo, se dirigiu ao quarto dos pais do pestinha e estrupou a mãe, o pai e o cachorrinho branquinho qual a neve que atendia pelo nome de Frufru. Pra não perder o embalo, deu uma passadinha básica nos aposentos da empregada, que era casada com o chofer, e detonou ambos. Sobrou apenas o periquito, que se escondeu embaixo do tapete. E o garotão, sendo um moleque muito dos burro(s), mas bem burro memo, não viu.