É um sujeito
que não está pra brincadeira.
Não topa firula.
Detesta rodeio. Com ele não tem etc.
Não brinca.
Não apenas por
ser triste.
Não brinca
porque não sabe.
Por não saber brincar,
por não querer brincar, não vai muito com brincalhões.
Chegou onde está
– e ter chegado onde está não foi batatinha – sem espírito lúdico, não é agora que vai começar.
Quando se
dirigem a ele a primeira coisa que pensa é, será que esse aí tá brincando?
Em geral
acredita que sim.
Então a segunda
coisa que pensa é, se tá brincando, tá brincando de quê?
E a terceira
coisa que pensa é, se tá brincando, tá brincando por quê?
Naturalmente,
um sujeito que não topa brincadeira não vê sentido em brincar.
Não, não é por
considerar perda de tempo. É mais. É pior. Não sabe nem explicar por que – ou simplesmente
não tem paciência.
Em geral,
quando se pergunta se estão brincando ou por que estão brincando, não está de
fato a fim de saber. Para que um sujeito que não topa brincadeira ia querer
saber uma coisa dessas?
Até que um dia,
um dia qualquer, com nada de especial nem diferente, achou que alguém estava
brincando com ele mas, ao invés de sua cabeça menosprezar a intenção do outro à insignificância como
sempre fazia, dessa vez ela, cabeça, ficou meio cismada.
E se aprendesse
a brincar?
Então perguntou
àquele alguém, poderia lhe ensinar?
Quem sabe lhe mostrasse
que brincar é gostoso?
Está certo, não
brinca. Mas está aberto a experiências. Novas ou velhas.
E, dependendo
do caso, pode se abrir a pessoas. Velhas ou novas.
Não tem prevenção
contra nada nem contra ninguém.
É o sujeito mais
despreconceituoso que conhece.
Pouquíssimas
coisas para ele são proibidas, impossíveis, impraticáveis. Embora não seja afeito
a brincadeira.
Olha, se lhe
der na telha, é capaz de encanar cuma ideia inusitada e ir em frente até ver
essa ideia concretizada.
Ou morrer
tentando.
De repente pode
querer ser médico, vencendo o pavor que tem de sangue e sair por aí furando os
outros. Cutucando feridas.
Feridas em seu
pior estágio.
Sem nem dar a mínima
para quem seja o dono ou a dona da ferida.
Olha, pode até
ser dele mesmo.
E tem mais.
Embora não tope
brincadeira, ninguém duvide: é bem capaz de brincar de médico.
Chegar no
consultório da doutora gemendo, ai dra., acordei cum buraco bem aqui ó.
Aqui? – a dra. lhe
aperta o abdômen com as pontas dos dedos das duas mãos.
Ui! – ele não
contém um gritinho.
Dói? – ela cochicha
em sua vozinha meiga e sensual (ao mesmo tempo).
Sim, doutora – ele
faz uma careta de dor fingida. -- Não, agora é mais em baixo...
Aqui? – ela apalpa,
aproximando perigosamente o rostinho de anjo da carona cabeluda do cara que não
tolera brincadeira.
Suas bocas
param poucos centímetros uma da outra.
De repente, ela
diagnostica:
São gases.
Aaaaai – ele solta
um gemido, lamentando a prisão de ventre e o sonho perdido.