Poeta ultrarromântico,
não visceral
(deixemos as
vísceras para legistas e açougueiros)
não kamikaze
(embora sua
musa atual o deixe em permanente gana de seppuku)
não marginal
(é um cara que
gosta de ser o centro das atenções)
em estado
onírico quase permanente
(que persiste
mesmo no banheiro, onde tem obrado seus versinhos mais profundos),
sob eterno
deslumbramento
(e, vez ou
outra, desvairado arrebatamento, embora esse papo de arrebatamento esteja por
fora há décadas),
em fase de
brutal
expansão,
encolhimento súbito,
incomunicável
introspecção,
doce ascensão e
queda livre
(não, não é
operador da bolsa de valores).
Procura:
Musa
profissional
Ou disposta a
iniciar carreira promissora
dinâmica,
mas não
apressada
ambiciosa,
com gana, garra
e esses requisitos aplicáveis
pró-ativa,
com iniciativa,
vontade de
progredir na vida,
semblante de
Vênus
(não precisa
boa aparência),
do sexo
feminino
(estuda-se
homem, desde que seja pelo menos belo qual o Tadzio de Morte em Veneza)
com experiência
em
se deixar
assoberbar por
vertiginosas
delícias
impudicas
malícias
trágicas
notícias
promessas
fictícias
dores
vitalícias
e (espera-se)
tórridas
carícias.
A candidata
deverá apresentar
tamanho poder
de sedução,
que o poeta,
quando
cabisbaixo,
soturno,
autístico,
malemolente,
alucinado e
outros
qualificativos pseudopoéticos do gênero
seja tomado de
tão incendiária paixão,
que seus irrequietos
dedos produzam
em seu teclado
encantado
estrofes
inundadas de
inesquecíveis
verdades,
efêmeras
bobagens,
inusitadas
boutades e
ferinas
maldades
revolvendo no
fundo do precipício
em que ele
despenca
qual pluma de
chumbo
as inefáveis
palavras que sua
ex-musa (aquela
ingrata)
foi incapaz de
extrair.
A candidata
selecionada, se
for competente,
ardente,
inclemente,
indecente
receberá como
remuneração
cândidos,
singelos
versinhos
como estes:
A noite veio e
a lua estava tão cheia
que se pôs a derramar
em teu rosto raios de luz
que meu coração não
se cansava de recolher
(Tudo bem, não
é lá essas coisas...
mas a musa que
os inspirou também não era.)
Favor deixar em
nosso
e-mail
pretensão
lírica,
endereço angélico
currículo,
incluindo
apenas o
primeiro
nome.
(O poeta se
reserva o direito de se apaixonar perdidamente por uns minutos.)
Beijinho e boa
sorte!
Sabedores de
que o modesto anúncio aí em cima fará estrondoso sucesso e tendo em vista que o
mercado de musas se acha em plena expansão, providenciamos um reforço para a Caixa
de Entrada do nosso Depto. de Marketing, que certamente estará a ferver de súplicas
e pedidos até a meia-noite desta sexta. (Não aceitamos suborno, favor não
insistir.)
Mas porém, solicitamos
que leiam o Guia para Uma Musa de
Sucesso abaixo antes de se desandarem a nos enviar milhares de emails sôfregos
querendo obter detalhes. Nosso Depto. de Correspondência
é gerenciado, administrado e frequentado por um funcionário apenas, portanto
tenham dó do coitado. Tudo bem que o sujeito é povoado por personalidades múltiplas,
mas tal habilidade não se mostra lá de grande valia neste caso.
Guia para Uma Musa de Sucesso
Este Guia inclui
instruções técnico-operacionais e se destina a apresentar dicas práticas de
participação e recomendações sobre como as candidatas, sejam divinas, sejam
terrenas, devem comportar-se.
1 — Quais são os pré-requisitos para ser
musa?
R. — De preferência a candidata a musa deve
ser mulher.
2 — Preciso ser bonita pra me candidatar a
musa?
R. — De forma alguma. Nosso doce coraçãozinho
não é privilégio nem monopólio das deusas da beleza. (Digamos que, numa
pesquisa aleatória de 150 candidatas, você não fique em último. Parece razoável,
não parece?)
3 — Tenho de assinar algum papel ou
preencher um formulário ao solicitar minha candidatura?
R. — Bem, sabemos que ninguém é fã da
burocracia e por isso resolvemos esquecer as formalidades. Não custa ressalvar,
porém, que sempre é bom termos em nossos arquivos seu tipo sanguíneo e
histórico médico. (Sacumé, em caso de acidente causado por um poema
perigosamente inspirado ou alergia provocada por um versinho mais desastrado.)
4 — Há limites de idade para a escravidão,
digo, inscrição?
R. — A princípio, não. O poeta é
razoavelmente flexível e capaz de se deixar enlevar cegamente por praticamente
todas as faixas etárias, desde tenros botões que acabaram de desabrochar para o
amor até palmeiras, samambaias, laranjeiras que, mesmo maduras, ainda sentem aquela
zonzeira no caule e as folhas mais tenras febris ante uma ventania promissora.
O poeta esclarece que não é botânico.
5 — Qual é a escolaridade mínima exigida?
R. — N/A. Aceitamos desde iliteratas até
doutoras em Física Quântica. Aliás, quanto menos escolarizada for a interessada,
melhor. A única escola que conta e que de fato nos ajuda a conquistar a gratificação
e um mínimo de felicidade é a do coração. O resto, incluindo grana, é detalhe.
(Desde que ninguém morra de fome, claro.)
6 — É necessário ter experiência anterior?
R. — Sempre ajuda, né? Se você conhece os
princípios básicos e já adquiriu certas habilidades profissionais da arte musaica,
não deixa de ser um handicap. Isso não significa que as xucras não sejam
bem-vindas. Dependendo do biótipo, pode até ser uma vantagem – não traz vícios
aprendidos na concorrência.
7 — Dói?
R. — Às vezes. (Tudo bem, vai. Quase sempre.) Não se esqueça que ser musa implica muito mais do que ficar parada
feito poste esperando que uma tonelada de elogios apaixonados lhe desabe na
cabeça. Nãnãnãninão. O papel de musa requer empenho e dedicação; amiúde, abnegação.
Como musa, você terá suas emoções e sentimentos revirados, esticados, puxados,
repuxados e usados como se fossem as roupas guardadas há décadas numa velha
gaveta que você até ontem morria de medo de abrir. (Sorry, às vezes nos entusiasmamos
com nossa própria verve.)
8 — Se quiser desistir no meio do
processo, posso?
R. — Naturalmente. Basta avisar o poeta com
5 anos de antecedência. A única multa é tirar umas fotinhos e dar pro infeliz,
de preferência exclusivas. (O pobre não curte olhar fotinhos de suas musas que
já tenham sido lambidas por olhares de outros perros babosos.)
9 — Se eu for comprometida, preciso
apresentar autorização do meu namorado, noivo, marido, amante ou feliz
proprietário?
R. — Como já enfatizamos, somos avessos à
burocracia. Muito pelo contrário: quanto menos seu dono estiver a par do que se
passa dentro do seu coraçãozinho enquanto você estiver em estado de imersão no cargo, melhor, creia-me. Seja como for,
depois de algumas sessões, você
provavelmente vai acabar se esquecendo do safado.
10 — Quero ser musa exclusiva. Tem jeito?
R. — Infelizmente (pra você ), não. O poeta é um cara alucinadamente
voraz de amor e fremente de paixão e sôfrego de desejo e carente de afeição e
febril de ardor e muitas outras rimas indesejáveis e forças irresistíveis do
coração que não cabe listar agora, vivendo em permanente estado de êxtase
elegíaco, desnorteado sob sentimentos acachapantes cuja intensidade é
desconhecida de qualquer ser humano ou inumano que já tenha passado raspando
por este ou outro planeta desta galáxia ou não. Por essas razões e muitas
outras mais que fogem ao escopo deste Guia, o miserável necessita visceralmente
de dezenas, centenas, milhares de musas para (sobre)viver a cada segundo.
11 — Bom, em vista da resposta aí acima, uma
pergunta não quer calar: corro algum risco sendo musa?
R. — Eletronicamente falando, não. O poeta
bem que gostaria, mas não tem como invadir seu computador nem bisbilhotar sua
vidinha particular ou roubar seus segredinhos sórdidos. Quanto a riscos de
outros tipos, são os de praxe: você pode ter seu peitinho (ou peitão,
dependendo) sequestrado e mantido pra todo o sempre em cativeiro, onde será
torturado e judiado sem dó nem piedade. (E, olhe, não há resgate no mundo
suficiente pra libertá-lo.)
12 — Como devo me comportar enquanto
exercer a função?
R. — Como soem comportar-se as musas,
naturalmente. Ou seja, não tenho a mínima ideia de como uma musa se comporta.
Afinal, nunca fui muso, como é que posso saber? Experimente bater os pés,
palmas, fazer um pouco de estardalhaço, tocar castanhola, pintar os lábios de
vermelho-carmim (não vá passar gel nos cabelos ou pôr botox ou silicone, by
god), imitar o canto das sereias que tentaram em vão atrair Odisseu, soltar um
suspiro caliente, dar um risinho maroto, mandar um emailzinho safado. Em suma,
fique à vontade.
13 — Há algum perigo de algo dar errado,
sei lá, me tornar macambúzia, acabrunhada, desacorçoada ou de qualquer outro
modo aturdida depois de ler um poeminha, uma ode ou uma trova do famigerado, o
senhor entende, um versinho que desça pelo canal errado, como às vezes acontece
quando gente bebe e ri ao mesmo, quando a gente come querendo chorar, engasgando
sem que haja tapinha nas costas que dê jeito e médico no mundo que dê cura e remédio
na farmácia que alivie, e eu me arrepender até o fim da minha vida de ter
entrado neste concurso, de ter aceitado a amizade eletrônica do poeta, de ter
entrado neste blog nefasto, de ter comprado computador, assinado um serviço de
internet?
R. — Há.