De mim para mim

Você já atravessou um deserto por uns quinze, vinte anos, sobrevivendo duns pingos caídos do céu uma vez por mês e florzinhas silvestres encarapitadas nas pontas dos cactos, tentando correr para longe do sol excruciante durante o dia, tentando se esconder do frio excruciante durante a noite, desmaiando sob o guizo de cascavéis, seguindo delirante os rastros dos escorpiões, sopesando segundo a segundo a doce alternativa de entregar o corpo exausto à areia ansiosa por faturar mais uma carcaça de mais um incauto que se aventurou a atravessar um deserto...?
...e, chegando a um oásis, chegando inacreditavelmente a um oásis, escutando ao longe o correr lépido da água, debochando já das antigas tentações de se entregar, até que se debruça sobre o regato e...
...e...
...e sacode a cabeça e diz
Não!
Não é o momento ainda!
Preciso ter paciência.
Minha sede merece mais...
Minha sede merece mais que um reles gole d’água.
Minha sede merece todo o Mar.
Preciso agora me afogar.