Minhas mentiras são verdadeiras

Tem algo irrecuperável quando você retorna da morte. Deve ser mais ou menos como resistir a um desses medonhos presídios brasileiros ou dum manicômio onde você passou anos à solta num pátio a recitar uma reza insana em oferenda a um deus carrasco que nunca para de te exigir teu sacrifício lunaticamente. Sílvia, anjo meu, voltei da morte. Quem volta da morte não volta. Fica lá e aqui, vira ubíquo, começa a gostar de Pessoa, começa a pensar que a multiplicidade de personalidades é a única solução para o embrulho desembrulhado. Faz um esforço alucinado pela lucidez, aspira desesperadamente pelo momento presente mas a memória impera com suas negras asas do que nunca morre. Por que será que a memória é mais forte, Sílvia? Quero crer que seja mais um item na extensa lista de requisitos técnicos de deus. Ele quis que, acima de tudo, nunca esquecêssemos. Por quê? Para quê? Que é que o demônio ganha com isso?