Maldita possessividade.
Parágrafo.
Três meses
fazendo a cabecinha abilolada de Sô, parece que finalmente consegui. Finalmente
consegui desfocar ela um tico do sertanojo. Como foi que consegui finalmente? Beatles,
bien sûr. Já tinha escutado, claro, mas não dera bola. Comecei a semear nos cantos, qual veneno de barata, uma
e outra fofoca ao longo do dia, não é que de repente germina.
A primeira
deixa foi que aqueles dois mocinhos se conheceram e logo partiram pro
troca-troca. Sô não se liga se não tiver sacanagem. Será que é característica
geral da garotada hoje? Na minha adolescência o sexo também era obsessão, obviamente,
mas mil vezes pior, pois que proibido. Nós garotos e garotas descendo a rua no
centro da cidade sábado à noite éramos, cada qual, um barrilzinho prestes a
explodir de lascívia. Ou melhor, as meninas não tanto, com essa maldita
supremacia sexual da fêmea sobre o macho em estado permanente de língua canina
pendurada no canto da boca. Passei pelo menos três décadas da minha vida
odiando as mulhas em geral por esse predomínio biológico. Até que um dia,
praticamente sem querer, descobri que você não precisa ficar com raiva – basta fazer
igual. E foi o que comecei a. Já tinha, de certo, sacado que os homens galinhas
caem matando em primeiro lugar simplesmente para não servir de presa, naquela máxima
das mesas-redondas de domingo à noite na tevê, “a melhor defesa é o ataque”. Nunca
tinha dado muita bola pra tão patente fato porque o jogo sexual me dá uma miserável
duma preguiça. Odeio cortejar. Detesto ser cortejado. O assédio alheio pra mim é
um estupro. Minhas milhões de anteninhas detectoras de calor corpóreo e intenções
segundas entram em convulsão de pronto e o resultado é um nó violento em minha
língua e uma sombra lúgubre em minhas pupilas.
A natureza,
insuportável, talvez tenha, ao nos gerar, pensado que seríamos impedidos, por
uma razão qualquer, de apreender a insuportabilidade da nossa geratriz triz iz.
Aquele rapaz que, dizem, nos fez a todos aparentemente não previu a emergência
dos do-contra.
Hoje nem tanto,
mas passei pelo menos umas quatro décadas da minha vida me dedicando a ser
do-contra. Primeiro porque não sei nem nunca soube ser a favor. De/do que seria
a favor afinal? De ter chegado destituído do mínimo de beleza necessário pra
abertura de certas portas que davam para o desconhecido sonhado e fechamento de
certas janelas que davam para o conhecido temido, isento daqueles neurônios
extras que a vantagem competitiva que hoje em dia todos os carreiristas buscam,
fruto dum descuido, pior, acidente, durante uma das intermináveis noites em que
mamãe se deixou violar por papai, emitindo aquele fio gosmento de gemidos extasiados
que me obrigaram a crescer com as pontas dos indicadores carcadas até o talo
dentro dos ouvidos a um mundo habitado por primitivos que se deixam escravizar
pelas momices perpetradas ininterruptamente por profissionais do riso numa tela
posicionada no centro dum santuário chamado sala de estar ou sala de visitas qual
altar de sacrifícios daquilo que possuímos de mais íntimo, i.e, nossa pessoalidade,
afrontados a cada minuto por robôs que nos dizem o que devemos comprar e o que
devemos usar e o que devemos pensar e o que devemos ser, matando lá no fundo da
nossa alma o que temos de mais humano, a condição de nos recusarmos a integrar
a manada das marias-vão-com-as-outras?
Todo poeta que
ouse se proclamar poeta é necessariamente do contra. Poetas a favor que em cada
verso a favor se proclamam poetas não são poetas. E não há nenhum deles mais a
favor do que os que se fingem do contra. Tem aí fora um ídolo das multidões de
nome Caio Fernando Abreu cujo dom era resumir num parágrafo toda a morbidez que
seus leitores – suas leitoras – anseiam por canalizar para o edificante. Pra
quem se satisfaz com quase nada, bonitinho, talvez. Como poesia, zero. Como
moral, menos zero, pois desencaminha tentando seduzir e aliciar ao invés de mostrar
o caminho das pedras para o humano. Ninguém é, nem pode ser, tão fofo quanto
Abreu. Afora os que confundem poesia com amenidades destinadas a edulcorar as
chamas do inferno vistas de baixo.
Sô tá ouvindo
John Lennon. Oh my love. Vira o rostinho bochechudo pro meu lado e afeta um
sorrisinho “tô pensando em você”.
Em quem será
que a safada tá pensando?
Sorrisinho mais
misterioso.
Imagina Rimbaud
neste mundo de face, tudo pra ser do contra.
Será que Sô tem
um muso?
Camille Paglia já
ensinou o mundo por que não existem mulheres mozarts, mas nunca me explicou por
que mulher não têm musos.
Por que, Cá?
Diz aqui pro
teu fãzinho de sala de aula.
Você me
convenceria se um dia se erguesse contra o boboca do Bloom.
Quem na
academia americana teria peitinho pra tão quixotesca tarefa?
Enquanto Sô vai
sonhando com seu muso, vou pensando na minha.
Pois que a
tenho, óbvio. Tudo bem, é uma musa teórica mas musa all the same.
Será que pelo menos a
isso tenho direito neste mundo de gado tangido por publicitários?
Minha musa
teórica é feita das minhas matemáticas e as minhas gramáticas.
Musa Vencida.
Ei, MV, está
bebericando aquele uisquinho com gelo nesta noite de quarta de cinzas? Diga que
sim. Eu estou, mas sem gelo, como sempre. Gelo me deixa rouco. Enquanto escrevo
vou lendo um textículo que escrevi uma vez e depois reescrevi pra botar no meu
blog. Mudei uma cacetada, tirei umas passagens, botei outras, mas puta merda,
te vejo atrás de cada palavra. Tava jurando para mim mesmo que ia ficar uns 15
dias sem extravasar meus delírios cibernéticos mas não aguento. Dez horas mamando
lennons e chorões, alívio, tenho minha Musa Vencida pra desabafar. Everyboy loves u when u r 6 ft in the ground.
Vem no meu
enterro brejeiro?
Se não vier,
será só eu e o coveiro.
Talvez não tenha
tempo de chegar a tempo.
I've been across to the other side, I've got nothing
to hide. Still u ask me, do I love you? All I can tell u its all my showbiz.
“E por esta minha maldita incapacidade de viver na luz.”
Anjo putrefato arfando
na mesa da cozinha diante duma travessa de bolinhos da chuva, controlada voz
ardida, não acorda as crianças que dormem no quarto dos fundos depois dum dia
inteiro de algazarra no recanto monoteísta próximo à praia, miniatura do
paraíso indiferente à mentira e protegida da maledicência.
Todo poeta que se autoclama poeta tem de ter
algo de dom-quixote.
Não à toa Dom Quixote inaugura o romance
moderno. E com um herói que faz o quê? Bidu. Luta contra moinhos de vento.
Somos todos dom-quixotes. Desde então.
Considere minha luta contra a
mediocridade meu moinho.
Mas procure não me enxergar apenas como
mais um aluno da classe. Sou, por minha natureza, o marmanjo arruaceiro que
senta lá no fundo, sempre tirando uma dos cus-de-ferro, babando pelas pernas da
fessora enquanto ela escrevinha suas lições diletantes no quadro, olhando e
sendo olhado com perplexidade pelos futuros médicos e engenheiros à minha volta.
Estou cercado de moinhos. Não, não é uma bazófia.
Apenas um reconhecimento particular. Sempre que você debater algo comigo será
com este indisciplinado aqui.