Oportunidade

Fantasia.
Vendo, doo, empresto, alugo, faço picadinho e distribuo.
Não é nova mas também não é velha, entende?
(Se não entende, tente outro blog. Há milhões deles lá fora.)
Me acompanha há pelo menos cinco décadas. (Estou sendo modesto, obviamente.)
Me salvou de milhares, talvez milhões, de enrascadas.
Amenizou meu tédio nas masmorras que habito.
(Ah, quantas, inumeráveis masmorras habito.)
Brincou comigo em meu jardim d’infância eterno, me deixando ser o reizinho, o médico, o galã, o sancho-pança. (Não, não estranhe minha aspiração a sancho-pança. Sei que a maioria gosta mesmo é do dom-quixote. Se você é daqueles ou daquelas que está sempre do lado da  maioria, meus pêsames.)
Me puxou pelo ombro quando meus pés se achavam prestes a resvalar no precipício. (Se você estranha que... Ah, deixa pra lá.)
Enxugou minhas lágrimas no comecinho das manhãs.
Ecoou minhas gargalhadas eufóricas na embriaguez das noites.
Por que é então que estou me desfazendo dela? você haverá de perguntar.
Bem.
Não é da sua conta.
Mesmo assim, responderei. Não pretendo parecer mau negociante.
A verdade é que essa minha fantasia está morta.
Se não me livrar dela ainda hoje, serei forçado a enterrá-la. (Até imagino o féretro carregado por meia dúzia de outras fantasias e o cortejo constituído por outros milhares delas.)
(Em vista do óbito, vou me conter por aqui. Imagine até onde podia ir com essa alegoria? Por sorte aprendi com os romancistas americanos que alegoria é uma merda.)
Sim, essa minha fantasia está morta. Mas não só.
Morta há mais de cinco décadas.
Você de certo estranhará: como foi que percebi só agora?
Ao que contraporei: quem disse que percebi só agora?