Drum und Dran

Quer dizer que a questão é compreender?
Parece que sim.
Que os bebês são incapazes de andar e falar porque não compreendem, que os loucos têm de ser confinados num manicômio porque não compreendem, que os inebriados – pelo álcool, pela paixão pela música ou pela palavra – têm de redobrar o cuidado porque saem do estado de compreensão, que os fascinados pela liberdade absoluta de ser o que são e não o que os outros querem que sejam não estão nem aí se são compreendidos ou não?
Sim, não compreender parece impossível. A menos que, numa situação altamente hipotética, você pudesse existir permanentemente no pomar do Jardim do Éden apenas a olhar e a ouvir e a vislumbrar sonhos primitivos e a fruir.
Sendo assim, compreendo.
Compreendo que a vida seja uma luta e que os vitoriosos ganhem de troféu o mundo. Que os vitoriosos tomem posse do que até um instante atrás existia livre nesse mundo e a partir de então comecem a usufruir de suas posses apenas para seus próprios fins e enxerguem na liberdade a semente de todo o mal.
Compreendo que a lei da gravidade governe a movimentação e o peso dos corpos e que, portanto, seja sempre mais fácil se entregar que resistir à atração das massas maiores que cada um de nós.
Compreendo que um mundo sem leis seria inexequível. Que o império do caos nos expulsaria deste maldito estado de conforto que tanto teimamos em conquistar e estabelecer como nosso estado natural eterno e definitivo. Que o império do caos nos forçaria à lida permanente com a confusão e o risco frente às novidades que brotam ante nosso olhar a cada minuto e que a preguiça que nos impingem leis como a da gravidade e as dos homens de pronto liquida e inuma e que cedo na vida nos transforma em seres frouxos e moles obcecados por um apoio onde encostar o lombo, doentes de apatia e atormentados por pesadelos do que queríamos ser e já não podemos.
Compreendo que, não fôssemos o que nos tornou este império da lei do mais forte, o império do caos faria de nós seres transgressores, quiçá, por uma dádiva divina, anárquicos.
Compreendo que o império do caos finalmente nos obrigaria a chutar a bunda uns dos outros a cada momento pois talvez nos convertêssemos em novos humanos com o sistema de nervos simpáticos removido e os músculos das nossas pernas e os neurônios adormecidos dentro dos nossos cérebros, a cada instante espicaçados pelo pensamento constante, eliminassem da vida o império do sentido de preservar, manter, proteger, garantir, guardar, defender, cuidar, dormir e perpetuar para não sermos esses fantasticamente inúteis seres fantásticos que somos.