Prestes a se olhar no
espelho finalmente depois duma eternidade que já não é sua, nova tentativa de
recapitulação:
Já se olhou um dia?
Não pode ser possível –
se lembraria.
Um sujeito subindo a rua.
Identificou de imediato:
O cobrador.
Não mão o espelhinho que
mirava contra o próprio rosto, tirando um
pente fino do bolso traseiro das calças que passava no cabelo.
Engraçado: pensando
nisso agora, aonde ia o cobrador a subir a rua aquele momento?
Então se lembrou de que foi
essa a grande dúvida que pairou qual urubu agourento entre sua infância e
adolescência.
E se extinguiu por encanto
quando virou homem.
Aonde ia o cobrador de
ônibus aquele dia subindo a rua com o
espelhinho numa das mãos e o pente na outra?
Enquanto o sujeito subia
a rua, não desceu do calor vespertino até a calçada um ser etéreo disposto a
elucidar o mistério.
Não havia um mistério.
Cinco décadas depois, a imagem
que reteve do próprio rosto a última vez em que se olhou no espelho não tem
mais importância.
Nunca teve importância, nem
cinco décadas nem cinco minutos depois.
É um autorretrato sem
rosto apodrecido na memória.