O fatal no que se escreve algures e
alhures, em papel ou em blogs, é a ilusão de que a escrita para ser boa precisa
de declarações altissonantes sob medida para impressionar o leitor ou sacadas
magistrais que o seduzam e o roubem para um mundo idílico forrado de sonhos e
fofuras.
Incapaz de cunhar o dito espirituoso que
vai fazê-lo ou fazê-la se sentir importante, o poeta esforçado sairá correndo a
pedir ajuda às clarices e mários da vida.
A literatura não requer touchés. Pelo contrário.
A boa escrita exige do autor que se limite ao conhecido. E que é que ele conhece
melhor?
Ele mesmo.
Será grande a possibilidade de se estrepar
se se meter a fuçar no que não sabe ou a fingir dominar um mundo que não é o
seu. Nove entre dez escritores/poetas não passam de paraquedistas a sobrevoar o
deserto literário onde você tem de estar preparado para vencer ou morrer. Apenas
um, se tanto, tem vocação para a lida da palavra aliada à coragem de espremer a
própria alma em perseguição ao que de fato sente e não apenas ao que pensa
sentir. E, ainda que fosse pouco, o missionário das letras se empenhará em
ficar o mais longe possível do embuste, dois pontos: da auto-empulhação em que
caem tantos aspirantes literários, dois pontos: a de buscar tão-somente prestígio
social ou a mais reles e desavergonhada adulação, a força que faz girar este
nosso mundinho de fadas prostitutas e heróis fracassados.
Por que são tão raros os que, sabendo
escrever, se atrevem a encarar os próprios sentimentos sem medo de reavivar
dores adormecidas? Por que são tão poucos os que se obstinam em despertar angústias
que supunham mortas na tentativa de se livrar de seu peso e de sua aca e de sua
morbidez?
Não há, nunca houve, poeta trepado num pedestal,
não há nem houve os relutantes em abrir o bico, nem poetas que não falem do que
passam e do que sofrem. Eles sabem e também sei, a demagogia está lá fora ao
alcance de todos. O feirante tentando atrair a freguesa com o preço mais em
conta, um abacaxi mais doce é tão demagógico quanto o pretendente a poeta querendo
cativar seus leitores com versinhos edulcorados escorrendo grossas camadas de xarope
de sangue semicoagulado e mel râncido.
Semana passada uma antiga conhecida blogueira
que mantinha em seu blog um link para este blog resolveu cassar minha licença. Não
faço mais parte de sua lista de leituras. Fiquei satisfeito. Há tempos queria
que ela me excluísse da lista mas ficava sem jeito de pedir. Não caibo em
listas, imodéstia à parte. A blogueira se descreve como “Borboleta neon do Oeste entrecortando a Via-Láctea, pouso furta-cor, véspera
de asas.” Há tempos vinha me perguntando, que é que isso quer dizer? Você que
conhece, sabe. Não quer dizer nada. A tirada tem correspondência em algum
sentimento genuíno identificável? Alguém sente uma coisa dessas? É apenas um
engodo recheado de pseudopoesia feito na medida para seduzir os que optaram por
fugir do “sistema”. Ah, tão fácil e simples fosse. Podia acrescentar que o
embuste passou a constar do nosso cotidiano de consumidores com tanta
assiduidade, que até a poesia virou produto de consumo. Mas não seria verdade.
O embuste poético existe desde a Grécia antiga. E a batalha do poeta que é
poeta pra valer inclui, além da quase inefável dor de se revelar humano,
denunciar os frívolos que tentam imitá-lo fingindo uma dor que nem de longe
sentem.
Eles e suas fantasias.
Que arrebatadoras são.
Se não tomamos cuidado podem nos obrigar
a assinar um cheque polpudo em nome dum desconhecido na rua que nos convença de
que é uma vítima das injustiças da vida. Se chorar as pitangas com a devida
eficiência, quem sabe nos comprove que é um verdadeiro poeta?
Temos nossa frágil cabecinha lotada de
fantasias e fantasias têm escasso poder de atrair a atenção do leitor, a menos
que você seja um García Marques. E mesmo ele sendo, sendo um gênio da
imaginação, não demorou a ser ultrapassado pela voragem do tempo. Esta raça que
em certas manifestações mostra que nunca haveremos de superar o império do
porrete, por mais que nos finjamos sofisticados, pode se revelar
fascinantemente prodigiosa quando a questão se resume a dar um passo mais
dentro da escuridão do futuro.
O primeiro mandamento para quem se propõe
a escrever é a humildade. O segundo, a humildade. E o terceiro.
Quem escreve – quem almeja a – deve antes
se exercitar. Qual um velocista, não pode ir saindo em disparada. Músculos
frios e dormentes não estão preparados para suportar o esforço dum sprint. Os
garcías-marques, sabemos todos, já chegam à raia aquecidos – e quentes. Mas não
é deles que falo, pois que serão sempre hors-concours. Particularmente, Cem anos de solidão não figura na minha
lista dos mais-mais quando comparado a tantas outras obras que considero
imprescindíveis. Mas não me oporia se um dia esse ser superior a que chamam
deus me oferecesse a chance de criar uma pequena obra prima como Cem anos. Talvez até lhe pagasse a dádiva
cuma caminhada de joelhos à Nossa Senhora Aparecida.
Não sendo portador nem merecedor duma oferenda
divina, devo me conformar com os recursos que a natureza me auferiu.