Rsrsrsrs

Leio na cordata Folha de São Paulo que um sujeito de nome Juliano Cazarré, com 33 de idade, “foi criticado nas redes sociais ao desdenhar de uma camisa que comprou por R$ 8 no Nordeste”.
O jornal informa que Juliano Cazarré “viveu o Ninho de ‘Amor à Vida’, da Globo”. Bem que podia informar também que raio de ninho de amor à vida é esse. É ou não é o caso de sair fazendo piadinha sem graça com o troço.
Consta que, sobre a citada camisa, Juliano Cazarré escreveu numa rede social que "lavou, acabou". Para em seguida começar a receber pauladas de seguidores por causa do comentário.
Que foi que Juliano Cazarré fez então?
Foi correndo pedir desculpas ao seu “público”. Segundo a Folha, elogiou a peça. Jurou “estou feliz com a minha camisa e vou usar até se acabar! Tomara que dure muito, porque é linda! Não quis ofender ninguém! Fiz graça do tecido da camisa. Se alguém se sentiu ofendido, peço agora sinceras desculpas!”
Meus leitores que me perdoem, mas os pontos de exclamação são de Juliano Cazarré. Não tenho nada a ver com isso.
E Juliano Cazarré foi além. Declarou “adoro o Nordeste, conheço muito a cultura daqui, leio muita literatura e escuto muita música boa feita aqui.” E, nos termos usados pela FSP, garantiu: “Vou continuar usando a camisa amarradão!”
Um dos programas de tevê no alto da minha de lista de ódio era aquele Casseta e Planeta. Às vezes lia os carinhas quando ainda publicavam um jornaleco meio satírico vendido nas bancas. Me lembro de algumas capas altamente mordazes (com perdão do arcaísmo). Uma ilustrava Maluf sendo enrabado por um negão. O jornaleco fazia sentido dentro da impostura cultural brasílica e não era eu o único leitor a perceber. Quer dizer, os caras começaram a fazer algum sucesso e logo foram para a Globo. Como é óbvio, acabaram aí. Milionários mas artística e culturalmente nulos. E perderam o sentido social antigo para ganhar um novo, o da grana acima de tudo. Tudo bem, vivemos sob o capitalismo, ainda, e, ao que parece, continuaremos assim por algumas décadas mais. Lula já está no osso e não terá tempo de enraizar o stalinismo no “seio de nossa gente” (vou botar entre aspas, nunca se sabe).
Nem tudo que o tal Casseta e Planeta criou, contudo, foi lixo. O bando deixou de legado pelo menos uma expressão idiomática (que, aliás, parece já estar morrendo, não a leio nem escuto amiúde por aí). Vocês haverão de convir que não é pouca porcaria. Só para fins de comparação, pensem em Monteiro Lobato, Mario de Andrade, Sérgio Buarque de Hollanda e tantos mais. Esses legaram ao vernáculo uma porrada não só de expressões mas também de conceitos e visões de mundo. Okay, nem a Nicinha, a atendente da farmácia aqui na frente que me passa Rivotril na maciota, nem ninguém mais dá lhufas para o que Lobato, Andrade ou Buarque deixaram ou deixaram de deixar. Pode parecer que não, mas sei muito bem minha realidade e estou ciente das minhas limitações e dos meus limites.
Fosse eu “seguidor” de Juliano Cazarré...
Me perdoem mais uma vez, mas quer dizer que agora as pessoas têm seguidores? Quem é Juliano Cazarré afinal?
Ah sim, esqueci de dizer. Vi essa “notícia” da FSP numa seção intitulada “Celebridades”. Juliano Cazarré é, ao que parece, uma celebridade. Tudo bem, não escreveu nenhum poema digno da “Tabacaria”. Tampouco liderou uma blitz-krieg contra a casamata da NSA em Washington por ter espionado os importantérrimos telefonemas que Vilma Vana trocou com La Loca de la Casa Rosada. Muito mais que isso, Juliano Cazarré viveu o Ninho de Amor à Vida da Globo. É natural que o sigam. Onde? Numa “rede social”. Aonde? Não tenho a mínima ideia. Por quê? Bem, vocês provavelmente imaginam.
Minha ex Sílvia deixava a tevê ligada a noite toda e quando passava na sala eu parava pra ver e escutar aquele gordão do Casseta e Planeta numa situação qualquer debochar com a maior cara de pau do mundo “fala sério!”
Não queria esgrimir essa expressão enquanto falo do Juliano Cazarré. Já saquei que estamos diante dum pobre-coitado impossibilitado de falar sério.
Fala sério, ninguém nem seu ventríloquo é capaz de falar sério.
Todo mundo e seu papagaio é, cada dia que passa, mais incapaz de falar sério.
As pessoas hoje em dia sequer falam.
As pessoas hoje em dia emitem bordões. Papagueiam frases prontas. Ecoam slogans que seus cérebros ainda-já moribundos se recusam a ignorar sob o açoite dos instintos.
As malditas redes sociais estão moldando um novo comportamento que vai engendrando uma nova linguagem que vai conformando uma nova língua. Hoje alguns de nós ainda somos capaz de compreender o que Camões escrevia mas duvido que daqui a 50 anos os ultra guris filhos totais da tecnologia entendam o que falamos hoje.
Os robôs nas redes são todos clones do singelo Juliano Cazarré que bateu continência feito um autômato ao ser pego no flagrante da inconveniência social.
O coitado comprou uma camisa que se desmanchou na primeira lavada e manifestou em público seu descontentamento com a efemeridade do produto e sofreu um linchamento cibernético.
E se apressou a suplicar misericórdia. Pois Juliano Cazarré é uma celebridade e celebridades devem cuidar de sua imagem midiática.
Mas nem só elas, celebridades.
Navego dois minutos pelas “redes sociais” e, cáspite, todos se tornaram celebridades. O zelo é o mesmo. O receio de ofender o outro é o mesmo. Ninguém diz o que pensa. Ou diz apenas parte do que pensa.
O “rsrsrsrsrs” é o passaporte para uma vida confortável e sem traumas na rede. Virou praxe há algum tempo, mesmo anos.
Você diz não o que quer dizer, mas o que acha que o outro quer ouvir. E, por medida de segurança, apõe um “rsrsrs”. Pelamordedeus, não me entenda mal. Estou apenas interagindo. Eu te entendo e espero que você me entenda. E se não me entender, rsrsrsrsrsrsrsrs... (As reticências sempre atuam como dispositivo extra contra mal-entendidos.)
A nova estirpe de rede-comunitários digitais vai acabar gerando uma nova raça humana. O internauta não ousará expressar um pensamento que possa de alguma forma ir de encontro ao senso comum.
Ah, o senso comum!
Será o grande fetiche da humanidade de que nem o próprio deus desconfiava?
Lá vão todos eles em fila rumo ao Grande Senso Comum que faz de todos um e único um.
A égide do rebanho é, se é bom pra você, é bom pra mim.
E se, enquanto caminha para a totalitarização, uma voz destoar no meio da manada, esta emitirá em uníssono um imenso, um definitivo, um ensurdecedor RSRSRSRS! que o selvagem, o subversivo, o inconveniente jamais ousará utilizar o cérebro outra vez.