Der Sinn des
Lebens besteht darin, dass es endet
Faz três anos
que estou pensando o que escrever sobre essa máxima de Kafka. A ideia acaba
soterrada sob toneladas de pensamentos fabricados pela urgência do dia a dia e
me foge da consciência. Então sobe e fulgura e me angustio, tanto pela máxima em si quanto pelo meu esquecimento. E volta a auto-admoestação: preciso escrever
sobre essa máxima de Kafka.
Aí me ponho a
encafifar. Será que o primeiro obstáculo, aquele que me impede de começar a
escrever sobre a tal máxima, é exatamente a palavra máxima?
Porque, porra,
convenhamos, essa coisa de máxima é nojenta, não é mesmo? As máximas pertencem
àquele grupo de babaquices do qual também fazem parte os aforismos, os
provérbios, os ditos, as listas, os melhores poemas, os mais lindos poemas, os
anjos e on the top of them all a rosa (que, especialíssima, sempre fica melhor
no singular).
Antigamente até
que dava pra manter uma certa distância dessas pragas. Digo, antigamente antes
do maldito google. hoje você escreve lá "Kafka" e, bidu, as dez
primeiras páginas se referem às máximas do desgraçado. Como era de esperar, o
google procura satisfazer primeiro os ignorantes que se guiam por esse tipo de
esqualidez intelectual. Está cada dia mais extenuante garimpar informações
relevantes naquela porcaria. É como buscar "música"; você é
bombardeado por uma infinidade de links levando ao sertanojo, ao punk, à MPB,
ao rock e incontáveis outras nauseabundices mais.
E não duvido
nada que neguinho clique numa bodega dessas, leia lá três linhazinhas extraídas
da obra do Franz e saia lampeiro e desassombrado da vida se regozijando, uau,
eu leio Kafka. É, no que me toca, o mesmo princípio que "norteia"
alguns milhares de blogueiros por aí que acham que se não falar de flor,
alegria, amor, passarinho e/ou criança então não é poesia. Para esses, poesia é
necessariamente celebração, não a expressão da alma humana. E se parar pra
calcular, por alto, qual proporção da tua vida é digna de alguma celebração,
você vai ver que dá menos de um por cento. Aí então eles contraporiam, certo!
mas queremos enfatizar as coisas boas, os sentimentos positivos. Ao que eu treplicaria,
fiquem à vontade, curtam o que lhes apetecer, só não chamem de poesia, please.
O lema calhorda do de-bem-coa-vida (não, jamais cansarei de malhar essa
cafonice) é apenas isso, lema. Melhor ainda, um slogan. Um slogan publicitário,
tão pobre quanto qualquer outro que venda Omo ou assinatura de tevê a cabo.
Todo mundo e seu eletricista tem direito a exaltar as maravilhas da vida, só
não confundam isso com poesia. É por isso que alguns torcem o narigão quando
tenho a ousadia de afirmar que Mario Quintana podia ser fofinho mas estava
longe de ser o que proclamava ser. Não existe poesia que não inclua a tragédia
de viver, sorry.
Bom, pra variar
já ia me perdendo do tema. Estava até me preparando pra dizer que o período de
três anos em que penso o que escrever sobre a máxima de Kafka continuará se
prolongando e dando um jeito de botar Freud no meio de bode expiatório. Freud é
sempre um estorvo literário. Poucas coisas são tão antípodas quanto literatura
e psicanálise. Os insights facilitados por uma têm natureza e finalidades
diferentes daqueles que obtemos com a outra. É exatamente isso que meu
ex-psicanalha dr. G não entendia. O dr. G tem a formação convencional dum
técnico, em que pese soe estranho assemelhar as teorias desenvolvidas por Freud
a uma disciplina qualquer que você possa estudar e "dominar". Para
desenvolver suas ideias, Freud construía símiles sobretudo com a mitologia
grega e as tragédias de Shakespeare, que duvido que o dr. G tenha lido. Não
nego que o dr. G tenha "vocação" para fazer o que faz. Não sei é a
mesma vocação daqueles guris que aos cinco anos dizem que serão médicos,
engenheiros, pilotos ou bombeiros. O dr. G é, aliás, o melhor shrink que
conheci, e conheci uma cacetada deles, a maioria picaretas ou pretensiosos ou
deslumbrados ou medíocres. Esse é um dos problemas de ler Freud e DEPOIS ir
atrás dum psicanalista. (Psicólogo, nem sonhar.) Não dá pra não comparar os
dois durante as sessões. Ficava querendo discutir teoria, ficava chamando o
dr. G às falas, contrapondo as interpretações dele com o que Freud tinha
escrito ou deixado de escrever a respeito. Perdi uns meses e uma boa grana
nessa furada, até sacar que não era por aí. Um interpretador mais afiado talvez
tivesse abreviado esses meses para semanas. Mas nem todos podemos pagar um
psicanalista da elite que tira duas pilas de seu cliente a cada sessão.
Seja como for,
valeu. Aprendi uma porrada de coisas sobre a natureza humana e, principalmente,
sobre mim mesmo, que, apesar da minha relutância em aceitar, sou demasiadamente
humano. (Ah, como fico fulo com isso.) Aprendi até mesmo a detectar em mim
mesmo quando estou fazendo farol pra não falar dum assunto, mesmo que tal
assunto seja o tema dum texto como é o presente caso. Não duvido que um crítico
futuro, ao fuçar o lixão cibernético do início do século 21, irá me classificar
como o escritor mais circular da... internet? Do bairro? Da rua? Da vila? Não
precisa dizer, sou o campeão dos rodeios. E dificilmente serei capaz de
resolver a parada nesta existência Ou seja, meu legado nesta Terra nunca
passará disso. Se tenho uma certeza nesta vida é que não existe outra. Para
infelicidade dos petulantes que "se acham" e não admitem esta nossa
pequeneza de mosquitinhos efêmeros com nossas passagens tão fugazes por esta titicazinha
que tão possessivamente chamamos de nosso planeta.
Taí, então.
Finalmente
falei da máxima de Kafka. Sim, é triste que tenha de explicitar assim na cara
dura. Mas, se não explicitasse, talvez um ou outro dos meus quase cinco
leitores não tomasse tenência do fato e saísse daqui meio espandongado pensando
que tive o desplante de enrolar o coitado ou coitada pela enésima vez.
E já que cheguei
até aqui, vamos abrir o jogo. A tradução de tal máxima é: o significado da vida
é que ela termina.
Há
uns anos alguém comentou um texto ou poema meu dizendo que não, eu
estava enganado, viver é bom, "nossa vida é premiada".
Respondi assim:
Padecer agora é
prêmio?
Num jogo em que
não se tem outra opção senão jogar?
Num jogo em que
você sabe que vai perder?
Por todos nós, lamento sinceramente me sentir obrigado a falar dessa máxima de Kafka. E de mil outras que regem essa coisa que chamamos existir.