Impermeável

Quero as facilidades do mundo longe de mim.
Nada de legados.
Não pedi herdade a nenhum testador.
As invenções da civilização europeia, joguem no lixo cada uma delas. Penicilina, ar condicionado, motor a combustão, som estéreo, jacuzzi.
(O scotch, tudo bem, não sejamos extremistas.)
Acabo de fazer uma descoberta – maior do que a de Colombo, Pedro Álvares ou Arquimedes. Descoberta grande para mim e, se é grande para mim, me basta.
Nada de legados ou herdades.
Os que fazem algo de útil na vida e deixam o que fizeram de útil de legado aos seus pósteros, tenham bom proveito.
Enfiem no meio do rabo.
Doem para a Cruz Vermelha.
Façam como todas as civilizações fizeram até hoje, deixem para a prole.
Neste vinte e sete de julho de dois mil e quatorze.
Declaro que morri ontem.
E nasço hoje.
Doravante me constituo do que escolho ser.
Decido o que penso.
O que me faz pensar o que penso.
As palavras que me fazem pensar o que penso.
Os sentimentos e as sensações que produzem as palavras que me fazem pensar o que penso.
Não será Mallarmé que determinará por mim como devo sentir o que sinto e quais palavras usar para expressar o que sinto.
Pois foram Mallarmé e seus colegas colonizadores que me impediram de saber o que sinto e como expressar o que sinto.
O que sinto, afinal?
Sinto esse aborrecimento, esse aborrecimento destituído de cores e qualificativos.
E é só esse aborrecimento que sinto?
Não estou bem certo. Talvez esse aborrecimento e umas beliscadas pelo corpo como se fosse uma leitoa sangrenta aprisionada num aquário povoado de piranhas.
Coberta de feridas que nunca saram.

Nenhum comentário:

Postar um comentário