Elizabeth, tem dia, você também tem essa fome de
dizer chega? Que nem eu? Foi o que imaginei. Esse rosto suave, essas linhas
quase gregas, as rugas sutilíssimas de quem não se deixa decifrar facilmente. Carece
dizer, não. Estou fantasiando. Como o tempo todo. Não por mal. Não consigo
evitar. Com você não acontece, estou sabendo. É diferente. Nasceu com essa
serenidade... Putz, ia dizer “dos eleitos”, vê se pode. Parei a tempo. Ia rir. Outra
fantasia. Ah Elizabeth, me arruma um remédio pra fantasiamento mórbido
desmedido exorbitante. Ói que a praga tá me matando. Morri quase tudo. Me sobra
pouco de mim. Por essa mania besta de ficar sonhando em vez de viver. Não sei
por que cargas d’água do volume morto fui enfiar na cabeça que ser poeta
precisa antes ser sonhador. Agora nada me arranca a encrenca da cachola. E de
onde fui inventar que ser poeta precisava me assoberbar ante qualquer
beleza impronunciável até perder o fôlego e fingir que tô co’ pé na cova? Diga,
Elizabeth. Você sabe. Sei que sim. Sei, hoje. (Topa fingir?) Estava absolutamente
enganado. Sempre estive. Muito pelo contraríssimo. Ser poeta, bom poeta, um
poeta eficiente, capaz, heroico, intenso e audaz, o sujeito pode ser qualquer porcaria
fora sonhador. É fácil ver nos grandes, não é? Homenzarrões imbuídos da missão designada
pelos deuses de ser, antes de tudo, homenzarrões e mulheres finas, cultas e
decentes. Ah minha cara Elizabeth, como queria ser um homem. Um homenzarrão. Tanto
quanto você é essa mulherzona que não cabe nas réguas do mundo. Quem sabe te pedia
em casamento? Mesmo avisado de antemão da rejeição. Não queria confessar,
Elizabeth. Nem preciso explicar. Vem cá, Elizabeth. Vamos conversar
telepaticamente. Sem essas malditas que se interpõem e interferem e interceptam
nossos pensamentos tão puros. Ah Elizabeth, te deixava me matar e me comer
direitinho sem sal ou sanduíche nem pão pullman. Acha que atingiríamos Alfa
Centauro? Nem tanto? Sou um exagerado, Elizabeth. Inda bem que minha mão está
dentro da tua e você me conduz por entre as estrelas. Ui! Que fina daquele
asteroide! Minha condutora nem pestanejou. Uma canção de ninar telepática e
estamos conversados. Então pousamos em Vênus e consumo meu pedido. Elizabeth,
me dá a honra de ser minha esposa? Teu olhar diz que não. Peço mesmo assim. Só pra ver tua cabeça sacudir em negativa. Ah suave Elizabeth, fui
nascido do não. Para o não. Definitivo. Não sei lidar com o antônimo. Que não
quero pronunciar. As possibilidades do não. O mundo é, o mundo é das
possibilidades. Se tudo é possível – e tudo é possível –, posso ser senão
impossível. Me ensina a arte de perder, faz pairar esse rosto acima de tudo sóbrio
no horizonte. Acalma o furacão. Olha meu rosto e quantas marcas, quantas
marcas fundas. Meu furacão se domina por tua voz e me pergunto, como é tua voz,
Elizabeth? Espera, vou fechar os olhos, apelar à imaginação.
Não é dia especial.
É todo dia.
O dia todo.
Chega de tudo que escuto.
Chega de tudo que leio.
Tudo que vejo, tudo que evoco, chega.
Eis-me tentando me imaginar bebê envolto em
fraldas e mantas, atacado por fabulosa miríade de estímulos sensíveis.
O mundo já me contou que choro além do razoável.
Que gélida tua mão na minha, Elizabeth.
Me faz recordar o imemorável.
Tua mão gélida é onde meu passado e meu futuro se
fundem... sem dar à luz um presente.
Sorry, Elizabeth, não posso me conformar que existo
para surpresas infindáveis.