O pedreiro desfigurou o rosto da
ex-namorada a estiletadas não porque ela não o amava mais. E não porque ela o
abandonara. E não porque ela fora morar com o João, que até ontem fora o melhor
amigo do pedreiro.
O pedreiro desfigurou o rosto da
ex-namorada a estiletadas não porque esta não era mais virgem quando a
conhecera, três meses antes num baile funk numa quebrada de Heliópolis. E não
porque ela parava no buteco às dez e meia da noite depois de sair do cursinho
de informática para tomar uma cerveja com as amigas (mesmo depois de descobrir
que entre estas havia uns amigos homens infiltrados na balada).
E o pedreiro desfigurou o rosto da
ex-namorada a estiletadas não porque ela uma semana antes revelara à vizinha
que ele tinha pinto pequeno e na noite do mesmo dia ele, o pedreiro, exigira
satisfações e ela jurara de pés juntos que tinha apenas feito um comentário
assim como quem não quer nada, na verdade nem se lembrava direito de ter
entregado o namorado com sua inconveniência anatômica e jurara, as mãos em
posição de amém, que não imaginava como a história tinha ido parar na boca de
todo o bairro.
E o pedreiro desfigurou o rosto da
ex-namorada a estiletadas não porque no dia anterior ela havia surrupiado umas
notas de sua carteira para pagar o fornecedor do bagulho que estava ameaçando
ajustar contas com ele, embora ele não fosse usuário da erva. E muito menos
porque naquele dia ela tinha comentado que fizera um teste de gravidez que dera
positivo e deixara que sua colega lhe aplicasse uma injeção para tirar a
criança e muito menos quando ele lhe perguntara angustiado se era o pai e ela fizera
que não com a maior simplicidade.
O pedreiro desfigurou o rosto da
ex-namorada a estiletadas porque, quando disse que ia embora, ela deu meia
volta sacudindo ao mesmo tempo a cabeça para enfatizar a decisão da ruptura e
naquela fração de segundo ele, o pedreiro, compreendera até o fundo da alma que
jamais seria capaz de esquecer aquele rosto.