Um pesadelo num castelo

A seleção perdeu.
Dizem que a culpa foi da seleção.
Foi do técnico. Foi da Alemanha.
Não.
A derrota foi como todas as derrotas.
Como são todas as derrotas?
Mal vi o jogo – estava no buteco bebericando meu copinho de kaipiroska e quando o larguei a partida já tinha terminado.
Esse tipo de coisa me acontece com frequência.
Na infância já era assim.
Na escola me obrigavam a jogar basquete, vôlei, futebol de salão.
Lembro e rio por dentro. Imagina eu jogando o que quer que seja. Fazendo parte. Lutando por um propósito comum. Uma gargalhada explode estrondosa nessa caverna que tenho em meu íntimo.
Imagina eu metido numa atividade coletiva.
Sinto a pele arrepiada piada piada.
Quer dizer que a nação-verde-e-amarela está de luto?
Todos os duzentos e um milhões menos um?
Na escola, fazia o maior esforço pra jogar mal e não ser nunca mais “convocado”. Era sempre o último a ser “convocado”. O professor não perdoava.
Tiravam par ou ímpar e iam escolhendo torcendo pra não morrer com o mico. Ninguém me queria.
Eu não queria ninguém. Ter ficado adulto e finalmente poder escolher ao invés de ser escolhido é, das poucas liberdades que possuo, das maiores. (E essa liberdade é tamanha, que ouso ir ao extremo – delícia das delícias! – de não escolher ninguém.)
Um dia ainda cismo e vou jogar bola.
Pra enfrentar esse tipo de coisa, farei o máximo esforço pra permanecer sóbrio.
Não lotar a caixa d'água.  Um dia ainda hei de exercitar minha liberdade de não lotar a caixa d'água. Será a liberdade das liberdades, garanto. Não estranharei se não sair vivo da experiência. (E tudo que espero é não sair vivo da experiência.)
No começo da vida, lembro bem, até que mantive certa compostura.
Hoje, passando diante das manifestações coletivas desta manada de alucinados no meio da qual tive o inefável padecimento de nascer, penso, é agora.
Que faço? Me atiro no chão?
Modorrenta vidinha repleta de heroicos feitos e fatos sem magnitude.
Os puros e seus pudores de pombinhas da paz estão chocados porque sua seleção perdeu pra Alemanha.
Parece que, dizem que, foi um fiasco. Falam até em números inéditos.
Ah meus caros pobres seres coletivos, vocês ainda não viram nada.
Queria ter ânimo e lhes mostrar a todos o que é escandalizar de verdade.
Tô perdendo o pique – mas é tudo culpa da minha liberdade. Uma liberdade sem limites que vocês nunca conhecerão nem mesmo em sonho.