3 Instantâneos

Faltam cinco minutos para as seis da tarde. Venho correndo escrever antes de acordar. Estou cansado do que escrevo acordado. O que fazemos acordados não presta pra nada.
Me perguntam “cadê aquelas suas brincadeiras?”
Foi em sonho, obviamente. Ninguém faz esse tipo de pergunta durante a vigília.
Dormindo, tenho um conhecimento – o de que minhas brincadeiras foram enterradas com meu pai. Meu pai era brincalhão. Ninguém ria das brincadeiras dele, nem eu. Só adulto vim a entendê-las, pois eram as mesmas que, adulto, comecei a fazer. Agora vejo que ninguém entende minhas brincadeiras. Só riem quando falo sério.
É apenas uma das minhas tragédias. Minhas tragédias engraçadas. (Não confundir etc.)


De repente ela aparece na minha frente. De onde terá vindo?
Dobrou aquela esquina?
Desceu daquele ônibus?
Não sei donde veio mas sei aonde vai.
Essa cara não me engana.
Vai direto pra casa e, uma vez lá dentro, direto pro quarto.
Então se sentará diante da penteadeira e apanhará a escova e passará algumas vezes no cabelo enquanto se mira no espelho com alguma impaciência.
Essa cara é de auto-empáfia, conheço bem.
Uma vez escovado o cabelo, retocará o rouge cum pequeno pincel tirado da primeira gaveta da penteadeira.
Ao passar por mim, me lança um olhar ligeiro e perturbadoramente intenso.
Terá descoberto meu segredo?
Mas como, se não tenho segredo?


Hoje, enquanto varria o quarto, uma aranha passou rente ao corrimão. Procurava um abrigo longe da minha vassoura. Mancava. Ou melhor, claudicava. Senti o estômago pesado. Me detesto quando firo uma aranha. Sou um desastrado. Fechei os olhos e me pus a ponderar – devo esmagá-la para acabar de vez com seu sofrimento ou deixar que prossiga vivendo tentando uma recuperação? A indecisão durou alguns segundos. Quando reabri os olhos a aranha tinha sumido.

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