Nunca falei de anjos, querubins ou
serafins
Não será desta vez que falarei de anjos, serafins
e querubins
Entezinhos ordinários de quem se envergonha
o próprio diabo
Tão tímido e confuso (e que, ao contrário
do que imagina o vulgo, lamenta infinitamente sua diabice e por isso comete às
escondidas tantas diabruras)
Em vez de serafins, anjos e querubins transparentes
a esvoaçar pela imaginação dos pobres que vivem amores imaginários, vim aqui
hoje falar de sorrisos que flanam no espaço nada ilusório ou sideral
Deste mundo origem de todo o mal
A provocar nos tristes terrenos aqui de baixo
estupefação e esperança de que são eles os destinatários
Robôs de muito osso e muita banha na
barriga e no sangue contaminado da aspiração à pureza
Coitados que se pensam dignos das risadas
dos deuses
E deusas
Que, tal como anjos e demônios, não riem
Malditos mitos
Que odiei assim que abriram um livro de
história antiga diante do meu nariz
Mitômanos esgrimistas que usam a Bíblia, o
mais humano dos compêndios jamais registrado em papel, para substanciar suas
mentiras
E centuplicar seus fantasmas aflitos
Minha redenção está na crueldade dos
olhos-lagos
Tão cristalinos e pacíficos, que, ao
menos esta noite, se ocultam do nadador para que este não se iluda de ter finalmente
encontrado o mergulho da paz
Durante o qual a vida enfim não será pior
do que parece
E o mergulhador, não sendo outro que não
quem aparente,
Terá sempre o consolo de não estar
realmente certo do que é
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