Boa noite

Não me olha.
Não me olha com essa cara.
Não me olha com essa cara de provocação.
Não me olha com essa cara de provocação e insolência.
Não me olha com essa cara de provocação e insolência e perplexidade.
Não me olha com essa cara de provocação e insolência e perplexidade e desamparo.
Vejo nos teus olhos.
O brilho da vida eterna.
Te traí.
A chama se apagou, você imaginou um sopro de Deus.
E botou a culpa em mim.
Estava, juro, prendendo a respiração.
Deuses para deuses até a primeira traição. E maior não pode haver.
Não estamos no necrotério, bem sei.
Não vejo teu cadáver diante de mim.
Não preciso do odor nauseabundo das velas apagadas pra saber .
Não posso te dar nada de que me pedes.
Só me pedes o que não te posso dar.
Não posso te pedir nada do que me dás – só me dás o que não te peço.
Um dia tive um filho e tiraram uma foto minha com meu filho e chorei me imaginando olhando a foto doze anos depois e tudo devia ter se acabado.
Tantas vezes tudo devia ter se acabado.
Me comovia às lágrimas.
Me comovia às lágrimas quando via.
Via tão pouco.
Tão pouquissimamente pouco.
Raspava os ombros nos muros ásperos nos sábados à noite e bebia e ria e conversava e voltava para casa e dormia até a manhã seguinte até que descobri a existência do amor maternal
E vislumbrei que na minha vida talvez pudesse haver um momento repousante e pacificador em que nunca me surpreenderia com minha relutância em crescer quando me ocorresse que um dia tive alguém que me amou acima de todas as coisas e de todos os males.
E a solidão não crescia a ponto de ocupar cada vazio do meu espírito e o último suspiro exalado entre meus lábios flácidos não seria sorry. 

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