A coisa tá preta quando você começa a
escrever sobre escrever e não para mais. Venho tentando me proibir há sei lá
quanto tempo, inutilmente. Não era pra ter virado meu grande, meu único tema. Não
fiz tudo que podia, e devia, ter feito pra evitar, reconheço. Uma das razões? Uma
das razões é que abusei da minha regalia de escrever sobre escrever como ponte
para chegar em outros assuntos. No início, lembro bem, surtia efeito. Com o uso
frequente do truque, fui ficando pela metade. Aproveitando o fim para atingir o
meio. Deu no que não deu.
Mas, atenção, não estou desmerecendo a qualidade
superior da minha escrita. Continuo escrevendo muito melhor que todo mundo e
seu taquígrafo. Tanto é assim, que só uns poucos eleitos me compreendem. O resto,
vejo pelo relatório do google, passa batido quando se dá conta de que não será
aqui que encontrarão trocadilhos do José Simão ou piadinhas de papagaio do
Verissimo. São esses que mais curto. Pois é deles o mundo. E a eles deixarei
este vale de lágrimas quando me for, quacquac.
O problema não é simplesmente que
escrever sobre escrever seja o problema.
O problema é o mesmo problema de todo
escritor – todo escritor que se leve minimamente a sério: reescrever, a cada
novo dia, e noite, sobre seu tema predileto, e, como em meu caso, quase
exclusivo, de forma a não soar intoleravelmente repetitivo. Pense num grande
escritor – qualquer um menos Shakespeare – e verá que o sujeito dedicou a existência
e a pena a desemaranhar o mesmo novelo – repetida, obsessiva, quase cegamente. Quer
saber o que acho disso? Acho que é uma sina – nada de esotérico ou místico
aqui. Uma luta, nada mais, para fugir da maior das nossas penitenciárias: a que
nos condenou a ser o que somos.
Quero crer, vocês haverão de convir, não é
pouca batatinha.
Vocês sabem, não há fuga possível desse
presídio. Nem tampouco há conciliação íntima possível em prosseguir
prisioneiro.
As consequências parecem tão óbvias, não
parecem?
Não mereço maior rigor em minha pena que
a aplicada aos que trocam de carro ano a ano ou se colocam nas “mãos” dos
astros ou das cartas ou se entregam ao halo envenenado da tevê. Tantas vezes
duvido do meu caminho. E tantas vezes me pego matutando por que raios fui
escolher o mais difícil – o meu. E a razão de ter escolhido o que escolhi – por
ser meu. Seria tão simples ter me preparado para entrar numa concessionária e
me tornar o feliz proprietário dum Peugeot zerinho. O caminho talvez seja o
tema mais batido, com perdão do trocadilho, dos poetas desde que o mundo
existe. “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar.”
O poeta é um incrédulo antes de ser
irreverente, porra-louca, iconoclasta, engraçadinho ou o que quer que seja que o
“público” espera que seja. Duvida tanto mais quanto mais lhe assegurem que a direção
a seguir é aquela. E o poeta bem-sucedido – os há, acho – é aquele que atingiu
a maturidade sobrevivendo a doses dinossáuricas de ceticismo. Sim, os há. Exemplos
não faltam no grand monde literário. Qual Drummond, os exitosos enveredam pelo
caminho do funcionalismo, onde podem usufruir do mais tenro pão de cada dia sem
calejar as mãos.
O inverso não é verdadeiro, porém, - escolher
um caminho próprio não faz de ninguém um poeta. Muito pelo contrário.
Pelo contrário, pelo contrário. Pelo contrário.
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